Nota de falecimento: O Largo Santa Cecilia está com um banco vazio

Alderon Costa

Conheci Mara, há uns dois meses, quando fui participar de uma reunião da Associação Comercial de Santa Cecilia para conversarmos sobre o conflito dos moradores, comerciantes e pessoas em situação de rua do bairro. Na época, Tina Galvão, moradora dos arredores do Largo Santa Cecília, já expressava sua preocupação com a saúde de Mara e para onde poderia encaminhá-la para os cuidados que se faziam urgentes.

O nó do problema é que ela sempre se recusou a sair do Largo. Ninguém conseguia convencê-la de se tratar. Foi solicitada ao Ministério Público uma interdição judicial para que alguém cuidasse dela, mas não se conseguiu. Muitas histórias são contadas sobre ela, mas o fato é que ela fez do Largo sua casa, dos bancos sua poltrona e dos transeuntes e moradores seus familiares.

Seu esposo, conhecido como Elias, aparecia para lhe trazer comida. Há notícia que sua filha mora no Rio de Janeiro. Segundo frequentadores do Largo, Mara já teve uma vida muito boa. Ela recebia uma pensão de aproximadamente R$ 2.000,00 (dois mil reais); segundo alguns frequentadores do Largo, quem administrava esse dinheiro era seu companheiro.

Conta-se que ela sempre ajudou os moradores de rua e que antes de ir para rua morava num hotel. Assim era dona Mara que agora vai deixar o Largo da Santa da Cecília mais vazio. E para aqueles que a conheceram e acompanharam seus últimos momentos, uma revolta pelo jeito que veio a falecer.

No sábado, dia 11 de junho, chamado pela Tina, encontrei-a sentada num banco que fica bem perto da Igreja. Quando a vi, pensei que já estivesse morta. Ainda respirava forte e parecia lutar para viver muito mais.

Não foi fácil conseguir um atendimento para ela, como tendo sido para todos que estão na rua. Ao lado do banco onde estava Mara, uma base da GCM (P70330) e mais ao fundo do Largo, uma base da PM.

A GCM dizia que não podia levá-la ao hospital e já tinha acionado o SAMU (protocolo 831732 – 14 horas). Já eram 15 horas e 30 minutos e o SAMU ainda não tinha aparecido. Liguei para o Disque 100 (15h37), mas ninguém atendeu a opção “morador de rua”. Liguei para 156 para chamar alguma equipe da Prefeitura, mas isso também não funcionou. Liguei para o SAMU (15h42) e depois de muita briga consegui que a atendente desse prioridade.

Já eram 16 horas e o SAMU não aparecia. Liguei ao padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, que ligou para o defensor público, Dr. Carlos Weiss, que por sua vez entrou em contato com os bombeiros (193) que garantiram atendimento prioritário. Mara permanecia sentada, ou melhor, quase deitada no banco. Às 16h10, chegou a ambulância do SAMU. Fizeram todos os procedimentos de emergência no Largo e levaram Mara para o Centro de Saúde Escola da Barra Funda. Lá, segundo informações, seu atendimento foi rápido e logo se recuperou um pouco.

Segundo fontes, o médico que a atendeu estava preparando para interná-la, pois sua situação necessitava de cuidados especiais, pois estava bem debilitada pelos anos morando nas ruas. Infelizmente, o esforço de tantas pessoas veio tarde.

O corpo da Mara já não tinha mais resistência. Sua morte já vinha sendo anunciada por aqueles que a conheciam. Ninguém consegue viver tanto tempo nas condições em que Mara e tantos outros companheiros vivem nas ruas. A morte até demorou pelo tempo de descaso de como as pessoas em situação de rua são tratadas. Chegamos até culpá-la por sua morte!

Mas será? O Estado, com todos os seus instrumentos legais, seus programas, serviços não foram capazes de salvar essa vida. A negligência, nesse caso é pouco, pois vários grupos tentaram ajudá-la, mas não foram eficientes.

O fato é que Mara morreu e outros devem estar morrendo nesse momento porque o Estado não está preparado para salvar essas vidas “que não valem nada” aos olhos de muitos. Só atrapalham! Uma moradora de rua a menos.

O Largo está com o banco vazio!

Um Comentário

  1. antonio carlos brienza pereira
    jun 19, 2011 @ 17:41:27

    Alderom o Estado e responsavel por estas pessoas de rua pois tem ferramentas suficiente para cria-las: o nosso governador esta sempre criando secretarias por que nao cria uma secretaria especial para o Morador de Rua e logico a resposta e clara nao dao votos enfim muitos estao morrendo por ai( A Mara foi uma e delas) o Estado é responsavel um dia estes moradores pagaram impostos e hoje por algum motivo nao sabemos ficaram nesta situacao Aqui vai o meu protesto ao Sr governador do Estado de Sao paulo e seu seceretariado acordemmmmmmmmmmmm.

    Antonio Carlos