A Lei Áurea foi escrita a lápis… E daí?

Flávio Sapucaia

Dentre as inúmeras formas de perpetuação e disseminação do racismo, as piadas são as mais sutis. Nas rodas de amigos, nas empresas, no churrasco em família é comum aquele engraçadinho que gosta de trazer seu portfólio de piadas preconceituosas e racistas, sem contar com a Internet que proporciona um enorme poderio de disseminação desta prática, através da proliferação por emails destas piadinhas sem graça, das quais nem temos o direito de nos ofender, pois os racistas de plantão logo nos acusam de não agüentar brincadeira. Como se racismo fosse brincadeira…

Neste sentido, estas “brincadeiras” são transmitidas às crianças, perpetuando entre as gerações esta forma sutil do racismo, que chegam às nossas escolas e se constituindo uma das principais causas de violência no ambiente escolar.

Dentre as diversas piadas que agüentei desde a infância, a mais “batida” delas era ouvir, todo dia 13 de maio, que a Lei Áurea foi escrita a lápis e que poderia ser apagada a qualquer momento, voltando assim à escravidão.

Confesso que tinha medo, até porque as novelas e filmes da época nos assustavam com a violência em que viviam e sofriam os escravos nas fazendas de café.

Porém, hoje eu pergunto: e daí se esta lei foi escrita a lápis, caneta, pena ou laser?

A liberdade não nos foi dada por ninguém, na canetada. A luta contra a escravidão iniciou mais de três séculos antes com a organização dos quilombos, tendo como principal o Quilombo dos Palmares, com cerca de vinte mil escravos fugitivos das fazendas.

Paulo Freire, um dos maiores educadores da nossa história, ensina que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (Pedagogia do Oprimido)

Nos ensina também que a liberdade não é um presente, mas um bem que se enriquece na luta. É o nosso bem mais precioso e por isto os inimigos a ameaçam constantemente. “Precisamos, por isso, lutar, ora para mantê-la, ora para reconquistá-la, ora para ampliá-la”. (Pedagogia da Indignação)

Amartya Sen, um indiano que ganhou o prêmio Nobel de 1998 em ciências sociais por seu trabalho sobre as causas da fome e da pobreza, traz em seu livro Desenvolvimento como Liberdade, um conceito interessante sobre as liberdades instrumentais, as quais associa com alguns dos direitos básicos de todo cidadão, como destaque a liberdade política, facilidade econômica, oportunidades sociais, liberdade de expressão e de transparência e, por fim, de segurança protetora.

Deste modo, ter nossos direitos ou liberdades assinados, independente se a lápis, caneta ou laser, não representa o início, nem tampouco o fim, mas a continuidade de uma luta para se garantir o cumprimento destes direitos a toda sociedade, de maneira justa e igualitária.

A escravidão ronda permanentemente a nossa vida, independente da cor de nossa pele. Ser escravo é sentir-se impotente perante as diversas agressões aos nossos direitos básicos como educação e saúde de qualidade, segurança pública, saneamento básico, acesso à informação, inclusão digital, direito à moradia, assistência social e jurídica, transporte público, melhores condições de vida, emprego, dentre outros que, apesar de constarem no documento mais importante de nosso país, a Constituição Federal do Brasil, ainda não se tornaram realidade para todos os brasileiros.

Deste modo, a luta pela liberdade de todos os brasileiros, escravos do descaso e do desrespeito às leis e direitos tão duramente conquistados, deve ser permanente para garantir a ampliar seu alcance. Só seremos livres quando nos tornarmos um povo unido e sem preconceitos.

Esta é a importância do dia 13 de maio como o Dia Nacional de Denúncia do Racismo.

3 Comentários

  1. Laura Sapucaia
    maio 11, 2011 @ 18:44:34

    Papai adorei seu texto, eu acho que voce esta certo sobre isso por que eu concordo que racismo é uma atitude desumana.
    Por causa disso também acho que o dia 13 de maio é importante para pensarmos em nossas atitudes.
    BEIJOS LAURINHA SUA FILHA

  2. Márcio Oshiro
    maio 13, 2011 @ 12:21:26

    Hoje, ninguém duvida que o Brasil é um país independente e uma república. Assim, as comemorações de 07 de setembro e 15 de novembro servem como lembranças oficiais e folga para os mortais comuns. E é assim que um feriado deve ser encarado, uma data de recordação. A manutenção da independência e da república deve ser um exercício diário. E o 13 de Maio acertadamente não é lembrada pelos mortais comuns, pois não há nada a ser lembrado. A libertação dos escravos foi apenas uma das etapas que só terminará quando todo ser humano for respeitado por ser humano, independente de raça, cor, credo, sexo. E, a ciência já provou que não existem diferenças biológicas entre as chamadas raças humanas e se especula que a humanidade iniciou na África. Bom artigo, caro amigo.

  3. Edson VITORETI
    maio 13, 2011 @ 12:56:59

    Sapucaia, parabens pelo seu texto!!!!!

    Todos somos escravos dos politicos, principalmente dos politicos corruptos, que sao a maioria em nosso BRASIL!!! mas com luta tenho fé que um dia iremos conseguir mudar isto, talves nossos netos irao viver este momento, mas para isto precisamos de pessoas como voce
    para iniciar uma luta já!!!!

    Mais uma vez …. P A R A B E N S ! ! !