A pessoa humana na sua dignidade

Pe. Geovane Saraiva*

 

“Contra todo tipo de mal que ameaça a criatura humana, devemos lutar”. O trabalho é a atividade normal do homem e da mulher neste mundo em que vivemos, com o desejo de alcançar determinado fim. Realizada dentro do espírito do Evangelho, cabe ao cristão transformar o mundo e sua realidade, eliminando as contradições e injustiças através do trabalho, com a certeza de que sempre será recompensada por Deus. 

Muitas vezes, cristãos se escandalizam, sentem-se até injustiçados quando pobres e pecadores merecem atenção e preferência da Igreja, assemelhando-se ao comportamento dos mestres da lei e dos fariseus. Mas o cristão, ao cumprir a sua missão, com corajosa e profética ação evangelizadora, animado pela fé, esperança e caridade, sonha com uma nova realidade, isto é, o mundo transformado e fermentado. 

O Papa Leão XIII desejou ardentemente uma mudança nos costumes e na mentalidade, sobre as condições de vida vividas pelos operários no final do século XIX. Preparou a altura das exigências do seu tempo um documento, que de fato pudesse dar uma resposta ao clamor de um mundo industrializado, tão marcado pelo sofrimento e pela escravidão. 

Foi o dia feliz de 15 de maio de 1891, com o lançamento da Encíclica Rerum Novarum, significando um desejo e uma sede de inovações – “das coisas novas”. Tratou a Encíclica Rerum Novarum das questões sociais, levantadas por ocasião da revolução industrial. O Papa apoiou com veemência o direito dos trabalhadores de se organizarem em sindicatos. Ao mesmo tempo rejeitou o socialismo e defendeu o direito de propriedade. 

Podemos afirmar que foi uma verdadeira luz a iluminar as trevas, a escuridão do mundo operário, indo contra ao maior mal que ameaçava a criatura humana naquela época. Com tão bem diz o Profeta Isaías: “Para o povo que vivia nas trevas uma luz brilhou” (Is 9,1). Foi uma posição firme e segura da Igreja, num momento difícil e crítico, orientando gerações e gerações. O Papa disse, através da Encíclica Rerum Novarum, que os homens de todas as classes são iguais, porque são filhos do mesmo Deus e Pai. 

Dirigiu-se aos afortunados e aos patrões, no sentido de não tratarem os operários como escravos, ao contrário, respeitá-los e valorizá-los, vendo neles a dignidade de filhos de Deus. Nasceu deste modo, uma nova mentalidade, uma nova compreensão do mundo, a partir da obra de Leão XIII, colocando a pessoa humana no seu devido lugar, no centro da história, ao dizer logo no início: “Por toda parte, os espíritos estão apreensivos e numa ansiedade expectante, o que por si só basta para mostrar quantos e quão graves interesses estão em jogo”. 

O Papa propõe uma nova ordem econômica, com o devido respeito para quem trabalha. “Não pode haver capital sem trabalho nem trabalho sem capital”.  Os pobres são convidados a se levantarem e a saírem da pobreza e da miséria em que se encontram. Eles são chamados a sonhar com novas condições de vida e com uma nova realidade. 

A Rerum Novarum foi, com certeza, um instrumento de Deus.  A Igreja deu o exemplo, descendo do seu pedestal e estando presente nas fábricas, sendo a voz dos sofredores e indefesos trabalhadores, – eis a grande novidade! Entendeu a Igreja que era preciso fazer alguma coisa, porque os operários estavam entregues nas mãos dos patrões desumanos e à cobiça de uma concorrência desenfreada. 

Foi um grito bem alto, um eco que entrou bem no âmago, marcando e impressionando profundamente o mundo cristão, incentivando o interesse dos governantes pelas classes dos trabalhadores, dando-lhes forças e animando a todos num só objetivo: o dos direitos individuais transformados em benefícios e interesses coletivos. 

Agradecemos ao nosso bom Deus o dom maravilhoso da vida de Leão XIII, o Papa dos operários, que depois do seu segundo centenário de nascimento (1810-2010),  tem muito a nos ensinar: “Contra todo tipo de mal que ameaça a criatura humana, devemos lutar”.  Que o espírito deste lúcido homem de Deus, esteja hoje e sempre, vivamente presente na Igreja, povo de Deus, nas suas reivindicações, no clamor por justiça e paz, por salários verdadeiramente justos.
* Pe. Geovane Saraiva, sacerdote da Arquidiocese de Fortaleza, Escritor, Membro da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE), e da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza