Em solidariedade aos Moradores de Rua: comentando a Nota da CNBB

Fr. Marcos Sassatelli
Frade Dominicano. Doutor em Filosofia e em Teologia Moral. Prof. na Pós-Graduação em DD.HH. (Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil/PUC-GO). Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arq. de Goiânia. Admin. Paroq. da Paróquia N. Sra. da Terra
Adital


Como foi amplamente divulgado na mídia -local, nacional e até internacional- em Goiânia (GO) e na Grande Goiânia, de agosto de 2012 a abril deste ano, foram brutalmente assassinados 30 Moradores em situação de Rua, dos quais a grande maioria é de jovens, inclusive uma criança de 11 anos.

Por causa da alarmante sequencia de assassinatos, que denota um grupo de extermínio, a Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB; o Regional Centro-Oeste da CNBB e a Arquidiocese de Goiânia – reunidos na 51ª Assembleia Geral da CNBB, em Aparecida (SP) – divulgaram uma “Nota de solidariedade aos Moradores em situação de Rua”, na qual “manifestam seu repúdio ao extermínio da população em situação de rua, que vem ocorrendo em Goiânia-GO e na Grande Goiânia”.

Diante dessa “condenável situação” -como eles mesmos afirmam- os bispos solicitam:

“1. Que os Poderes Públicos Municipal, Estadual e Federal tomem medidas urgentes que eliminem esta situação de violência e restabeleçam a paz e segurança aos Moradores de Rua;

2. Que as mortes dos Moradores em situação de Rua sejam investigadas e federalizadas imediatamente;

3. Que sejam tornados públicos os resultados das investigações com sua ampla divulgação na mídia;

4. Que os responsáveis sejam processados, julgados e condenados com rigor e rapidez;

5. Que o Estado de Goiás e a Prefeitura de Goiânia se responsabilizem efetivamente pelas mortes dos Moradores em situação de Rua e se comprometam em auxiliar os familiares das vítimas;

6. Que sejam criados, em caráter emergencial, espaços físicos que ofereçam alimentação, dormitório e, sobretudo, segurança aos Moradores em situação de Rua;

7. Que se criem políticas públicas de inclusão social dos Moradores em situação de Rua, devolvendo-lhes a dignidade humana roubada e ferida e os tire dessa situação degradante”.

Os bispos lamentam também “que casos como o de Goiânia se repitam em outras partes do país”. Conclamam “aos gestores públicos que promovam a justiça e o fim do extermínio de tantas pessoas humanas que, como todo povo brasileiro, merecem viver e conviver com dignidade”,

Enfim, esperam que o seu pedido “seja atendido” e “que a paz volte a reinar neste chão”. Terminam a Nota invocando “a bênção de Deus sobre todos os seus filhos e filhas”.

A Nota foi divulgada no dia 17 deste mês de abril e é assinada pelo presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB, Dom Guilherme Werlang (e mais cinco bispos, membros da Comissão), pelo presidente do Regional Centro-Oeste da CNBB, Dom José Luiz Majella Delgado e pelo Arcebispo Metropolitano de Goiânia, Dom Washington Cruz.

Uma das solicitações da CNBB é: “Que as mortes dos Moradores em situação de Rua sejam investigadas e federalizadas imediatamente”. Por coincidência, no mesmo dia em que a Nota foi divulgada, a Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, formalizou o requerimento para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) peça ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a transferência, da esfera estadual para a federal, da competência para apurar e julgar uma série de crimes ocorridos na região metropolitana de Goiânia. O procurador-geral, Roberto Gurgel, decidiu pelo encaminhamento do pedido ao STJ.

A ministra entregou a solicitação por considerar que as instituições do Estado se encontram, em muitos sentidos, restritas na apuração das responsabilidades das mortes das pessoas em situação de rua. Destacando a “gravidade” da situação, Maria do Rosário declarou: “Constatamos a morosidade (na apuração) dos inquéritos, (incluindo) os que têm policiais envolvidos e que não têm andamento, ficando parados, ou que a denúncia não ocorre”.

A ministra explicou que fundamentou o pedido a partir de dois casos envolvendo três vítimas e que, segundo ela, contêm indícios de não estarem relacionados a rixas motivadas por drogas, como sustentam autoridades estaduais. “Escolhemos esses casos -disse Maria do Rosário- com base na impunidade que eles representam. Há uma responsabilidade federal e o Estado precisa agir antes que sejamos denunciados a Cortes Internacionais de Direitos Humanos”.

Em 22 de novembro de 2012, o Conselho Nacional entregou ao governador de Goiás, Marconi Perillo, uma série de recomendações para que os casos dos assassinatos dos Moradores em situação de Rua fossem esclarecidos. “As medidas -afirmou ainda a ministra- não foram adotadas. De lá para cá, tivemos ainda um acúmulo de mortes muito grandes, principalmente da população em situação de rua. Não buscamos como primeira medida o deslocamento de competência, mas, diante das dificuldades do Estado, da inoperância e do fato de que nenhum dos indicados como responsáveis por vários crimes foi responsabilizado, agora estamos solicitando o deslocamento de competência. Quem sabe se tivéssemos agido no primeiro caso, talvez essas outras vidas tivessem sido poupadas” (http://portal.sdh.gov.br/clientes/sedh/sedh/2013/04/17-abr-13-ministra-oficializa-pedido-a-pgr-para-federalizacao-de-crimes-ocorridos-em-goias).

Esperamos que, diante dessa realidade, o STJ tome, em caráter de urgência, as medidas necessárias para que seja dado um “basta” a esses assassinatos, que são uma gravíssima violação dos Direitos Humanos e uma verdadeira barbárie.

Além da elucidação dos crimes cometidos e do julgamento dos responsáveis, que é uma questão de justiça, é preciso também que o Governo -Municipal, Estadual e Federal- assuma, como prioridade absoluta, a implementação de políticas públicas, nas quais os Moradores em situação de Rua não sejam meros objetos da ação assistencial e/ou caritativa, mas sejam sobretudo sujeitos e protagonistas de sua própria história. É o que todos e todas almejamos. Lutemos para que isso aconteça!

Goiânia, 23 de abril de 2013.