Primeiro de Maio de Festa e de Luta

Selvino Heck

Comecei a participar das celebrações de 1º de Maio, Dia do Trabalhador, na segunda metade dos anos setenta na Lomba do Pinheiro, conjunto de vilas populares nos arredores de Porto Alegre e Viamão, Região Metropolitana, onde eu morava como frade franciscano. Fazíamos, Pastoral Operária e Comunidades Eclesiais de Base, uma encenação da data (às vezes o famoso poema de Vinícius de Morais, Operário em Construção, que eu mesmo tinha teatralizado), relembrando a origem da data e atualizando-a aos temas e problemas do momento, e uma celebração final.

Eram então tempos duros. Primeiras greves no ABC, Lula despontando, greves com assassinatos como o de Santo Dias em São Paulo, greves da construção civil e bancários em Porto Alegre. O problema central não era o emprego ou desemprego. Na Lomba do Pinheiro, quase todos que queriam trabalhar achavam espaço e oportunidade como pedreiros, serventes, mestres de obra, domésticas. Quem trabalhava conseguia comprar terreno e construir sua casa aos poucos, cada ano mais uma parede, o reboco, o forro, a pintura, um banheiro melhor. O problema maior era a liberdade de organização e expressão, o direito de greve, a autonomia sindical. A maior parte dos sindicatos não eram combativos. Eram pelegos, atrelados aos patrões, ou não tinham interesse em mobilização social e organização de base.

A luta era contra a ditadura. Derrubada esta, ou ainda antes, contra ela, a organização sindical floresceu, veio o sindicalismo combativo, grandes lideranças como Lula, Olívio Dutra, Paim, Jacó Bittar, Manoel da Conceição, João Paulo de Monlevade, Avelino Ganzer e muitos outros. Conquistou-se a liberdade de organização e o direito de greve, os sindicatos combativos aumentaram de número com as oposições sindicais no campo e na cidade. Junto com a liberdade, porém, veio o desemprego crescente, a favelização nas cidades e seu cordão de pobreza e miséria, despencaram a renda e o salário.

O 1º de Maio passou a ser mais que nunca dia de luta contra a fome, o desemprego, a carestia, a inflação alta. Vieram os tempos neoliberais, seus valores e conseqüências, que se abateram sobre o movimento sindical, os movimentos populares, as pastorais. Nestes mais de 30 anos de minha participação, o Dia do Trabalhador sempre foi mais de luta que de festa: ou por liberdade e contra a ditadura, ou por emprego, salário e renda.

2010 tem novidades. Desde o início do governo Lula, 2003, o desemprego vem decrescendo. Foram criados mais de doze milhões de empregos com carteira assinada. Só no primeiro trimestre deste ano foram mais de 650 mil, coisa inédita. Dizem os jornais: a taxa é a menor para março desde 1998. Editorial de um grande jornal do sul diz que a indústria brasileira apresentou indicadores de aquecimento em março na comparação com os dois primeiros meses do ano, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). “O resultado puxou o nível de emprego industrial no trimestre para o maior patamar desde o terceiro trimestre de 2004. O emprego na indústria alcançou 55,5 pontos no primeiro trimestre, o que representa 2,4 pontos acima do registrado no primeiro trimestre de 2008, quando não havia sinais de crise no Brasil. Está em curso em todo país e em todos os setores um processo positivo de crescimento. Expandem-se a produção e o consumo, amplia-se o número de novos empregos”, diz o editorial.

Noticia-se também que, pela primeira vez em décadas, o número de trabalhadores com carteira assinada supera o dos demais trabalhadores. Além disso, em Porto Alegre, supõe-se em todo Brasil, “também ocorreu 2,7% de acréscimo em março no rendimento médio dos ocupados da capital gaúcha, passando para R$ 1,267 mil”. Além disso, o salário mínimo que anos atrás comprava 1,4 cesta básica, hoje compra 2,5 cestas básicas, um avanço e tanto.

Festa portanto, nada de luta neste Primeiro de Maio?

É bom refletir um pouco. Sem dúvida, melhoraram as condições de vida e trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. A economia cresce, o mercado interno está aquecido, há políticas públicas que enfrentam alguns problemas históricos como a fome, a exclusão social, a miséria absoluta.

Por outro lado, a jornada de trabalho continua a mesma. A luta é por 40 horas semanais. Assim como continuam a desigualdade e a concentração de renda. Se melhorou o salário mínimo nos últimos anos, nem de longe recuperou o poder aquisitivo alcançado no final dos anos cinqüenta e sessenta. O Brasil continua sendo um dos países com maior concentração de renda do mundo e um dos piores salários, embora seja a oitava economia mundial.

Podemos, pois, festejar, sim. Mas ainda é preciso lutar e muito para superar a injustiça e a desigualdade. Parabéns aos trabalhadoras e trabalhadores no seu dia. Muita festa e muita luta!