Monsenhor Romero e a esperança cristã

Carlos Ayala Ramírez

Tradução: Adital

1. A necessidade da esperança

Os signos de desesperança estão em todas as partes: crises econômica, alimentar, ecológica, energética, de valores, na família; inclusive, crise da esperança (recordemos aos ‘profeta’ do fim das utopias). Cada uma dessas crises têm algo em comum: ameaçam, empobrecem ou truncam a vida.

Erich Fromm, em seu livro ‘A Revolução da Esperança’ nos diz que a esperança é paradoxal: “não é nem uma espera passiva e nem uma violência alheia à realidade de circunstâncias que não se apresentarão. Nem o reformismo fatigado nem o aventureirismo falsamente radical são expressões da esperança. Ter esperança significa, ao contrário, estar presto em todo momento para o que todavia não é; porém, sem chegar a desesperar-se se o nascimento não acontece no lapso de nossa vida”.

Segundo Fromm, as pessoas cuja esperança é forte, veem e fomentam todos os signos da nova vida e estão preparados em todo momento para ajudar ao advento do que se acha em condições de nascer. Segundo o autor, isso é próprio da visão messiânica dos verdadeiros profetas. Eles não predizem o futuro, mas veem a realidade presente isenta das miopias da opinião pública e da autoridade. Não desejam ser profetas, mas sentem-se forçados a expressar a voz de sua consciência, que possibilidades contemplam e a mostrar às pessoas as alternativas existentes. Monsenhor Romero, sem dúvida, foi uma dessas pessoas: cultivadora dos signos da nova vida.

Uma característica essencial da espiritualidade de Monsenhor Romero (Cf. Martin Maier, ‘Monseñor Romero, maestro de espiritualidad’, págs. 148-149), é que nunca perdeu a esperança nem sequer em situações aparentemente sem solução. Sua atitude não foi a de apaziguamento, segundo o lema: ‘logo, tudo se resolverá bem’. Como Paulo, praticou a “esperança contra toda esperança”. Apresentou sua esperança dentro da tradição dos profetas de Israel. Eles não haviam anunciado uma esperança barata. A esperança dos profetas se sustentava na confiança de que Deus conduziria a história de seu povo à salvação, através de todas as ruínas, de todas as deslealdades e catástrofes.

2. A esperança a partir da visão profética de Monsenhor Romero

Para Mons. Romero, a esperança cristã é, ao mesmo tempo, promessa, prática (práxis) e espera (Cf. Homilia 18 de novembro de 1979).

Promessa: “O povo cristão caminha animado por uma esperança para o reino de Deus” (utopia).

Prática: “A esperança desperta o desejo de colaborar com Deus, com a segurança de que se faço minha parte, Deus fará sua parte e salvaremos o país” (práxis)

Espera: “As horas de Deus também temos que observá-las, temos que esperar quando o Senhor passa, para colaborar com ele” (confiança na força de Deus).

Duas realidades de caráter estrutural configuravam a situação salvadorenha durante o ministério de Mons. Romero: a injustiça social (abordada em sua 4ª. Carta Pastoral, 1979) e a violência repressiva de Estado (abordada em sua 3ª. Carta Pastoral, 1978). As principais vítimas de ambas realidades eram os pobres.

Ante essa situação que qualificou de ‘desordem espantoso’, Mons. Romero defendeu as vítimas e o fez gerando esperança.

Gerou esperança denunciando o pecado histórico: “Quando a Igreja ouve o clamor dos oprimidos não pode menos do que denunciar as formações sociais que causam e perpetuam a miséria da qual surge esse clamor” (2ª. Carta Pastoral, agosto 1977).

Gerou esperança reagindo com misericórdia diante do sofrimento: “Não me interessa a política. O que me importa é que o Pastor tem que estar onde está o sofrimento, e eu tenho ido a todos os lugares onde existe dor e morte para levar a palavra de consolo para os que sofrem” (Homilia 30/10/1977).

Gerou esperança defendendo os pobres e iluminando os processos de libertação: “A Igreja trairia seu próprio amor a Deus e sua fidelidade ao Evangelho se deixasse de ser voz dos que não têm voz, defensora dos direitos dos pobres, animadora de todo desejo justo de libertação, orientadora, potenciadora e humanizadora de toda luta legítima para conseguir uma sociedade mais justa” (4ª. Carta Pastoral, agosto 1979, No. 56).

3. Uma vida inspirada pela esperança

O conteúdo da esperança também está referido a um modo de viver. Uma vida animado pelo amor e pela justiça é fonte de esperança.

Cada ato de amor, de consciência e de compaixão é fonte de esperança. Cada ato de indolência, de mentira e de egoísmo gera desesperança: “Não busquemos soluções imediatas, não queiramos organizar de um só golpe uma sociedade tão injustamente organizada durante tanto tempo; organizemos a conversão dos corações. Que saibam uns e outros viver a austeridade do deserto; que saibam saborear a redenção forte da cruz; que não existe alegria maior do que ganhar o pão com o suor do rosto e que não existe tampouco pecado mais diabólico do que tirar o pão do que tem fome” (Homilia 24/2/1980).

Um exemplo de vida animada pelo amor e pela justiça é a dos mártires salvadorenhos. Por isso, Mons. Romero os considerou sementes de esperança: “É sangue e dor que regará e fecundará novas e cada vez mais numerosas sementes de salvadorenhos que tomarão consciência da responsabilidade que têm de construir uma sociedade mais justa e humana e que frutificará na realização das reformas estruturais audazes, urgentes e radicais que nossa pátria necessita” (Homilia 27/1/1980).