População em situação de rua e cidadania

Selvino Heck

Diz o jornal O Trecheiro – Notícias do Povo de Rua -, edição de maio de 2008, Edição Especial: “O Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em suas visitas anuais aos catadores e à população de rua, se comprometeu a criar uma política nacional e possibilitar a inclusão de todos em programas com condições de vida mais dignas. Pelo decreto de 25 de outubro de 2006, ele constituiu o Grupo de Trabalho Interministerial – GTI, com a participação direta de representação da população de rua.”

O II Segundo Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua, realizado em 17/18 de maio na Academia de Tênis em Brasília, teve participação de representantes do povo de rua e de sua entidade, o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), de instituições apoiadoras, de pastorais sociais, de membros do governo federal. Segundo Pesquisa Nacional sobre a População de Rua, realizada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) em 2007, em cidades com mais de 300 mil habitantes, “o número de pessoas em situação de rua nesse conjunto de cidades é superior a 45 mil, sendo que mais de 20% concentram-se na cidade de São Paulo” (O Trecheiro, maio/2009, p. 4).

O II Encontro aprovou os princípios de uma Política Nacional para a População em Situação de Rua, como o respeito à dignidade do ser humano, o direito ao usufruto e permanência na cidade, a garantia e defesa de direitos fundamentais, combatendo práticas higienistas e ações preconceituosas e violentas, o respeito à diversidade humana, garantia de laicidade do Estado na prestação direta e indireta de serviços públicos, direito à convivência familiar e comunitária.

Aprovou também diretrizes como a formulação e implementação de políticas públicas acessíveis de saúde, educação, habitação, lazer e cultura, respeitando a diversidade humana em suas diferentes expressões, o incentivo à organização política da população em situação de rua, a criação de uma Secretaria Especial de Promoção da Política nacional de inclusão da população em situação de rua.

Foram aprovadas ações nas áreas de Direitos Humanos, de segurança pública e justiça, de trabalho e emprego, de desenvolvimento urbano e habitação, de assistência social, de educação, de segurança alimentar e nutricional, de saúde, de cultura, de esporte e lazer.

Na abertura, o Pe. Júlio Lancellotti, histórico apoiador da população em situação de rua, denunciou as políticas de higienização que acontecem em muitas cidades, especialmente São Paulo (que segundo o ministro Patrus Ananias na verdade são ‘sujação’), e que pretendem ‘limpar’ as metrópoles de todos aqueles que vivem nas ruas, perseguindo-os, expulsando-os de seus lugares, ou mesmo os assassinando. Pe. Júlio disse que, para que se soubessem os lugares dos crimes, marcam-se as ruas, as praças, os viadutos com tinta que não se apaga, para fazer a denúncia, significar a resistência e exigir a cidadania de todos os seres humanos.

O ministro Patrus Ananias, do MDS, disse que deveria ser lembrado Paulo VI que, em sua Encíclica sobre o Desenvolvimento dos Povos, escreveu que ‘ao menos os ricos saibam que os pobres estão à sua porta e recebam as sobras do banquete’. Disse Patrus Ananias: “Este Encontro significa que a população em situação de rua não quer apenas isso, e sim direitos. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome foi criado para cuidar das pessoas mais pobres, vítimas do preconceito e da violência. O valor fundamental é a dignidade humana. Por isso, o Encontro deve oferecer projetos ambiciosos nas áreas de trabalho, moradia, assistência social, num pacto em torno do direito à vida. O presidente Lula assumiu um compromisso pessoal e nunca negou apoio, como todo e qualquer governo deveria fazer”.

Gilberto Carvalho, Chefe de Gabinete do Presidente Lula, em tom emocionado, no encerramento do Encontro, reiterou os compromissos do presidente Lula e do seu governo com os mais pobres, especialmente com a população em situação de rua: “Quem é do governo, mais que falar deve ouvir. O Encontro garantiu o direito à fala de quem nunca teve espaço, vez e voz”.

Ao final, o Movimento Nacional da População de Rua e os representantes da sociedade civil presentes no II Encontro Nacional divulgaram a Carta Aberta de Brasília encaminhada ao Presidente Lula, que começa com os versos de Geraldo Vandré: “Vem, vamos embora/ que esperar não é saber,/quem sabe faz a hora/ não espera acontecer.”

A Carta Aberta apresenta a Política Nacional para População em Situação de rua, “como instrumento da realização dos direitos sociais, com vistas a assegurar a universalização do acesso da população em situação de rua a esses direitos, assegurada a igualdade de condições para esse acesso”, abrindo “uma travessia fecunda na direção da felicidade de milhares de brasileiros e da concretização do Brasil como um País de todos!”

Como representante da população em situação de rua, falou Anderson Lopes de Miranda: “Este é o único governo que olhou para o povo. Esta é uma política que não vem de cima pra baixo, mas de baixo para cima, construída por todos nós.” E cantaram todos e todas um refrão de esperança: “Traga a bandeira de luta/ deixa a bandeira passar/ essa é a nossa conduta/ vamos unir pra mudar.”