Por que a mídia brasileira desistiu do Papa Francisco?

A ordem é do Instituto Millenium: colocar o pontífice argentino na geladeira e optar pelo genérico vazio no noticiário acerca de sua atividade pastoral. Decepcionaram-se. Não é um novo João Paulo II nem um Bento XVI.

Ótimo exemplo se vê na cobertura da atual visita do papa à Coreia do Sul. Mais uma vez, a mídia brasileira trata de ocultar as prédicas de Francisco em que claramente condena o sistema capitalista globalizado.

Cabe botar lupa sobre o caso. No segundo dia da visita a Coreia do Sul, o papa celebrou a missa da Assunção para cerca de 50 mil pessoas no “World Cup Stadium”, em Daejeon.

Ali, exortou os jovens “a combater o encantamento de um materialismo que afoga os autênticos valores espirituais e culturais, assim como o espírito da concorrência desenfreada, que gera egoísmo e luta”.

E não parou por aí. “Que também rejeitem os modelos econômicos desumanos que encontram novas formas de pobreza e marginalização dos trabalhadores”, orientou.

Francisco tem visto no Oriente um autêntico exemplo da degradação humana gerada pelo sistema capitalista, baseado no individualismo e na sociedade de consumo.

Por isso, advertiu sobre “a cultura da morte que desvaloriza a imagem de Deus, o Deus da vida, e viola a dignidade de cada homem, mulher e criança”.

Antes, em encontro com os bispos locais, na sede da Conferência Episcopal, bateu na mesma tecla, insistindo na importância da Doutrina Social da Igreja.

Convém reproduzir parte fundamental de seu discurso:

” (…) Ser guardiões da esperança implica também garantir que o testemunho profético da Igreja na Coreia continue a expressar-se na sua solicitude pelos pobres e nos seus programas de solidariedade especialmente a favor dos refugiados e migrantes e daqueles que vivem à margem da sociedade.

Esta solicitude deveria manifestar-se não somente através de iniciativas concretas de caridade – que são muito necessárias –, mas também no trabalho constante de promoção a nível social, ocupacional e educativo.

Podemos correr o risco de reduzir o nosso empenho com os necessitados simplesmente a uma dimensão assistencial, ignorando a necessidade que tem cada um de crescer como pessoa e poder expressar com dignidade a sua própria personalidade, criatividade e cultura.

A solidariedade com os pobres deve ser considerada como um elemento essencial da vida cristã; através da pregação e da catequese, fundadas sobre o rico património da doutrina social da Igreja, essa solidariedade deve permear os corações e as mentes dos fiéis e refletir-se em todos os aspectos da vida eclesial.

O ideal apostólico de uma Igreja dos pobres e para os pobres encontrou uma expressão eloquente nas primeiras comunidades cristãs da vossa nação.

Espero que este ideal continue a moldar o caminho da Igreja coreana na sua peregrinação para o futuro. Estou convencido de que, se sobressair na Igreja o rosto do amor, cada vez mais jovens se sentirão atraídos para o coração de Jesus, sempre inflamado de amor divino na comunhão do seu místico Corpo. (…)”

Não é a primeira vez que Francisco condena severamente a sociedade materialista, a cultura do egoísmo, a sociedade de consumo e o sistema financeiro internacional. No entanto, parece mais valente a cada dia.

Por esse atrevimento, Francisco vem perdendo espaço na mídia, não somente no Brasil, mas em todo o mundo.

Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, dentro e fora da Igreja, já o tratam como um perigo, como um novo pontífice vermelho que ousa reviver o espírito insurgente do teimoso João XXIII.

Em artigo da revista The Economist, já foi acusado de ser um seguidor do líder soviético Vladimir Lênin por sua crítica severa ao capitalismo e por sua obsessão contra o sistema financeiro internacional.

Aparentemente, Francisco não tem se acovardado diante da pressão midiática e de setores conservadores da Igreja.

Em entrevista recente ao jornal italiano Il Messagero, o papa afirmou que os comunistas assumiram bandeiras da Igreja. “Os comunistas dizem que tudo isso é comunismo. Com certeza, mas vinte séculos depois. Portanto, pode-se dizer a eles: então, vocês são cristãos”.

Fonte: Igreja – Povo de Deus – em Movimento