Uma mina de ouro

Pe. Geovane Saraiva

“Sou daqueles que tem a convicção de que os escritos de Dom Helder ainda serão fonte de inspiração na América Latina, daqui a mil anos”. Esta afirmação do teólogo Padre José Comblin nos ajuda compreender, a vida do artesão da paz, Dom Helder Câmara, nascido para o que é mais elevado, as coisas maiores.

Sua vida é uma mina de ouro que precisa ser explorada. Ele, como cidadão universal, andou pelos diversos caminhos do Planeta e, com sua voz profética e seu profundo amor por este mundo em que vivemos, obra do Criador e Pai, com a criatura marcada pela dor, angústia e sofrimento, mas, ao mesmo tempo, cheia de amor, garra, sonhos e esperança. Ele, no seu centenário de nascimento, ensina-nos a ver e a descobrir a verdadeira face do Cristo nos nossos semelhantes. Para ele, pobre verdadeiramente pobre era aquele que não tem amor para dar, difundir e semear.

Dom Helder Câmara nasceu no dia 7 de fevereiro de 1909. Aos nove anos, fez a sua primeira comunhão e, aos quatorze, ingressou no Seminário da Prainha, em Fortaleza – CE. No dia 15 de agosto de 1931, com vinte e dois anos foi ordenado sacerdote. Exerceu seu ministério sacerdotal, por cinco anos em sua cidade natal, entre letrados e operários. Em 1936, partiu para o Rio de Janeiro, aí desempenhou, entre outras funções, o cargo de Diretor Técnico de Ensino da Religião na Arquidiocese do Rio de Janeiro.

Em 1948, foi agraciado com o título de monsenhor. Em 1950, expôs ao amigo Monsenhor Montini, futuro Papa Paulo VI seus planos de fundar a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – da qual se tornou Secretário Geral, de 1952 a 1964. Em 1952, foi nomeado bispo auxiliar do Rio de Janeiro. Em 1955, organizou o famoso Congresso Eucarístico Internacional da capital fluminense. Fundou, também, o Banco da Providência e a Cruzada São Sebastião, indo ao encontro dos pobres e favelados. Trabalhou, incansavelmente, pela fundação do Conselho Episcopal Latino-Americano – CELAM – do qual foi vice-presidente de 1958 a 1964.

Em 1964, nomeado arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, tomou posse no dia 12 de abril do mesmo ano, início do regime militar. Começou dizendo: “Quem estiver sofrendo, no corpo ou na alma; quem, pobre ou rico, estiver desesperado, terá lugar no coração do bispo”. Passou, então, a desenvolver, com grande relevância, ações sociais junto às comunidades carentes e a lutar pelos direitos humanos. Ficou, mundialmente, conhecido como o arauto dos “sem vez e sem voz”. Durante o Regime Militar, de 1964 a 1983, sua voz se calou e ficou sem ser ouvida, pois foi proibida e censurada na Mídia.

Bispo da não-violência, da ternura e da solidariedade denunciou, em Paris, em 1970, num profético e contundente discurso, as práticas de torturas aos presos políticos em nosso Brasil. Dom Helder, homem de Deus, foi um dos grandes místicos dos nossos tempos, que, com sua palavra, sensibilizava e entusiasmava as multidões de todos os credos, de todas as raças, culturas e ideologias. Dizia que Deus para ele “era e só podia ser amor”, esforçando-se para viver o que anunciava, fazendo-se nosso irmão e acreditando na possibilidade da conversão de todos.

Dom Helder tem vinte e três livros publicados, sendo dezenove deles traduzidos para dezesseis idiomas. Seus títulos, suas homenagens e suas condecorações que, recebidos em todo mundo, somam 692. Após completar noventa anos, no dia 27 de agosto de 1999, foi chamado para a casa do Pai.

Esta extraordinária figura humana, patrimônio da humanidade, por seus dons e talentos colocados a serviço do próximo será sempre uma referência marcante na história do povo brasileiro. A sociedade, mais do que nunca, nos dias de hoje, necessita de referenciais como Dom Helder, para que possa aspirar por liberdade, justiça e paz. Que humanidade saiba sonhar. Dizia ele: “Ai do mundo se não fosse a utopia, ai do mundo se não fossem os sonhadores!”. Que Dom Helder nos inspire o desejo sempre maior de gostar de viver e de lutar pelo dom maravilhoso da vida.