Charles de Foucauld

J. B. Libanio

Toda conversão fascina. Ainda criança, Charles de Foucauld perde bem cedo os pais. Aristocrata e rico, esbanja a fortuna em vida desregrada. Tudo anunciava um final perdido. Militar e aventureiro pela Argélia. A graça bate-lhe com força. Experimenta a severa vida de trapista. O sino o arranca de madrugada da cama para rezar. Envolvido todo o dia pelo silêncio, alterna oração e trabalho, contemplação e ação. Mas o Espírito não o queria lá. Inquietava-o em busca de algo diferente, original. De novo na Argélia, vive a solidão. Enfrenta a rudeza dos desertos. Tudo nele soava gratuidade. Nem sequer pregava o evangelho na explicitação da fé cristã. Preferia ser o evangelho vivo, encarnado na pessoa, nos gestos, nas ações a anunciá-lo em palavras. Tão diferente de missionários europeus, que saiam de seus países convencidos de que só eles tinham a verdade e atropelavam todas as outras culturas, impingindo-lhas a própria como se só nela o evangelho se encarnasse.

Depois dele, arrancado da vida de maneira violenta por fanáticos, vieram os irmãos e as irmãzinhas para perpetuar-lhe o espírito de serviço livre, despretensioso e de pura gratuidade.

A experiência de Deus explodiu tão forte dentro dele que depois dela já não sabia viver sem ser para Ele. Despojou-se, diria Paulo, do homem velho que vivera na fase francesa. Agora lhe habitava o homem novo. Ele o lapidou na espiritualidade do Jesus de Nazaré. No físico do lugar e no espírito de Jesus camponês e artesão, ele aprendeu a ser pobre, viver como pobre e junto aos pobres. Nada mais do que isso. As ambições maiores ficavam para outros. Ele não sabia outra coisa que, de novo como Paulo, senão viver como Jesus no serviço humilde, desprendido. O anúncio fazia antes pela vida que pelos discursos.

Arrisca a vida no meio de muçulmanos sem outra pretensão que estar lá. E se alguém se espantasse daquela vida despojada, humilde, pobre e servidora e lhe perguntasse pelo segredo, então sim, falaria de Jesus. Até lá guardava no interior o mistério do nazareno como pérola a não ser lançada na publicidade vazia, como se faz tanto hoje. Entre o Jesus publicado nos tetos ao calado durante 30 anos em Nazaré, preferiu a este. E impregnou a espiritualidade desse silêncio meditativo e de serviço pobre.

Pelos evangelhos apenas sabemos algo sobre a vida de Nazaré. Foucauld não se contentou com tal escassez. Os místicos descobrem maravilhas para além dos escritos. E transmitiu experiência tão forte que até hoje os seus seguidores nos encantam pela autenticidade de vida, de entrega, de simplicidade, de coragem evangélica. A espiritualidade de Foucauld se expande para além dos membros da Fraternidade e se faz alimento para tantos e tantos cristãos. Nela transparece tal evangelismo que apenas acreditamos que exista num mundo repleto de ruídos, banalidades, vulgaridades e exterioridades. Nela reinam o silêncio, a profundidade, a essencialidade e a interioridade.