‘Lázaro, vem para fora!’

Sílvio Alves Félix

Ao sermos impelidos à reflexão sobre a Ressurreição do Senhor por ocasião da Páscoa, vem-nos à mente, a forte passagem bíblica de João capítulo 11, 1-43 que nos relata o episódio da Ressurreição de Lázaro. Esta, parece ser a única a nos relatar que Jesus chorou. Outra tradução bíblica diz: “comoveu-se interiormente e ficou conturbado”.

Diante desse trecho do evangelho de João, nos deparamos com um Jesus justo poderoso e glorioso, mas por outro lado um Jesus extremamente humano a ponto de se comover e até chorar, ao receber a notícia de que seu amigo Lázaro já havia morrido há quatro dias.

As irmãs de Lázaro, Marta e Maria, haviam mandado um recado a Jesus informando: “Senhor aquele que amas está doente.” (Jo11, 3). Mas Jesus, certo de que poderia demorar um pouco mais onde estava, assim o fez.

Podemos contemplar também outro aspecto forte dessa passagem bíblica, a saber, o momento que Jesus chega ao povoado de Betânia. “Informada da notícia da chegada de Jesus, Marta irmã de Lázaro, saiu ao seu encontro, e com intimidade de amiga, fala ao Senhor: “… se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido…”. Observe que profissão de fé em Jesus! E a mesma ainda completa: “Mais ainda agora sei que tudo que pedires a Deus ele te concederá.” (Jo 11,22) E Jesus vendo o sofrimento de sua amiga Marta, lhe diz: “Teu irmão ressuscitará” (Jo 11,23). A profundidade desse diálogo é de fato comovente! Oxalá pudéssemos cada um de nós ter a liberdade de falar com o Senhor com toda essa transparência, com toda essa franqueza e serenidade que essa conversa entre amigos aqui relatada, o diálogo de Jesus e Marta, nos transmite e nos transcende, mostrando-nos o quanto preenchida de Deus estava Marta, uma vez diante de Jesus, o próprio Deus nosso Salvador. Esse é para nós, um modelo de oração ideal, ou seja, dialogar com o Senhor de forma franca, livre e desprendida, abrindo-se a ele de maneira sincera e irrestrita.

Na sequência desse diálogo de fé, entre Marta e Jesus, ele, o Senhor, faz uma oração que nos remete a sua própria ressurreição: “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim jamais morrerá. Crês nisso?” (Jo 11,25-26). Aqui nos deparamos com uma “autoproclamação” da Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, dita por ele mesmo, saída de seus lábios, dando a Marta a certeza da Ressurreição para os que nele crêem.

Continuando com essa leitura orante, o evangelista nos relata também, o encontro de Maria com o Senhor, ela também diz o mesmo a Jesus: “Senhor se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido”. E aqui o evangelista mais uma vez faz referência à comoção interior de Jesus: “Quando Jesus a viu chorar e também os judeus que a acompanhavam, comoveu-se interiormente e ficou conturbado.” E mais à frente no texto, diz claramente: Jesus chorou. (Jo 11,35)

Ao ler e meditar este trecho de João, percebe-se Jesus muito mais próximo de nós do que podemos imaginar. Pois, como pode o Senhor Deus ser tão humano?! E com isso chega-se a conclusão de que Jesus é hoje mais do que nunca, nosso companheiro, nosso amigo e irmão em todas as nossas dificuldades e sofrimentos. Muitas vezes diante das intempéries que nos são impostas na vida, sentimo-nos de certa forma desamparados e até um pouco predispostos a nos entregar a um sentimento de revolta, uma vez que não somos socorridos por Jesus da forma como queremos ou necessitamos naquele momento. E aqui, o evangelista nos mostra Jesus comovido, talvez até angustiado e triste diante da morte do amigo Lázaro e do sofrimento de Marta e Maria, irmãs do morto e suas amigas.

Os judeus que estavam na casa de Marta e Maria para consolá-las e velar o morto, presenciaram o encontro de Jesus com as duas irmãs e perceberam a comoção dele, comentando entre si: “Vede como ele o amava.” (Jo 11,36) Podemos contemplar aqui o quão transparente se mostrou Jesus diante desse acontecimento. O mesmo Jesus que falava forte e tinha posições firmes a favor dos pobres e excluídos da época, o mesmo Jesus que se opôs fortemente aos vendilhões do templo de Jerusalém a ponto de expulsá-los, mostra sua compaixão pela morte do amigo que de fato muito amava.

Observe que liberdade de vida, que liberdade de ação! Muitas vezes nós achamos que nosso principal problema é dinheiro, é saúde, é amor, e na maioria das vezes o nosso problema é de liberdade, ou mesmo, falta de liberdade para agir, e falta de liberdade para viver e enxergar as possibilidades que a vida nos dá e os momentos intensos que a vida nos dispõe.

Em seguida Jesus pergunta: “Onde o colocastes?” (Jo 11,34) Aqui o Senhor recebe como resposta um convite: Vem e vê! (Jo 11,34) A partir daí o evangelista narra o episódio da ressurreição propriamente dita, que é um dos grandes milagres praticados por Jesus se não o maior de toda sua vida pública, pois quando o mesmo manda retirar a pedra, as irmãs de Lázaro dizem: Senhor, já cheira mal: é o quarto dia! (Jo 11,39). E Jesus aproveita para reafirmar sua intenção de ressuscitar Lázaro relembrando a Marta: ” Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” (Jo 11,40). E após a retirada da pedra, Jesus profere uma oração das mais profundas e belas encontradas na Bíblia:

“Pai dou-te graças porque me ouviste. Eu sabia que sempre me ouves. Mas, digo isso por causa da multidão que me rodeia; para que creiam que me enviaste.” (Jo 11,42).

Chegamos então ao ponto da grande ordem de Jesus que grita em alta voz: “Lázaro vem para fora.” (Jo 11,43). Ao que Lázaro obedece e sai do túmulo ainda com os pés e mãos enfaixados. Hoje Jesus também nos ordena a sair e vir ao seu encontro a segui-lo e a ressurgir de onde estamos, de nossas prisões de nossos túmulos que a pós-modernidade nos impõe. Jesus nos convida a um encontro íntimo e pessoal com ele, e esse encontro só pode se dá por meio de uma comunidade viva que se reúne para celebrar em seu nome.

E por fim, Jesus ordena e envia Lázaro: “Desatai-o e deixai-o ir embora.” (Jo 11,44).

Cristo também nos envia ao encontro conosco mesmos e a nos confrontar e nos encontrar com nossos irmãos reunidos em comunidade. Hoje a Páscoa tem para nós cristãos católicos um significado muito mais profundo, que difere do simples fato de fazer memória da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Páscoa nos convida ao encontro, e nós podemos nos espelhar nesse belíssimo encontro de Marta, Maria, Jesus e Lázaro. Encontrar o irmão no caminho, e não ter medo de ser sincero, de abrir-se e dizer o que sente, ser conforto, ser presença, ser testemunho de fé e vida, estar firme e presente nas horas difíceis, comprometer-se com o outro e acreditar junto que a ressurreição é algo possível e que a ressurreição pode ser vivida também por meio de uma amizade verdadeira, de uma palavra de carinho, de uma atitude de comprometimento com a causa dos mais pobres e sofridos de nosso tempo, com os pobres e sofridos das grandes cidades, com as vítimas do alcoolismo, das drogas e da prostituição.

Que o Senhor Jesus possa nos inspirar e nos impulsionar a agirmos com a reta consciência e firme convicção, de que podemos ressuscitar, desde que ressuscitemos todos juntos, em comunidade, unindo forças em prol de uma igreja cada vez mais viva, comprometida e vivificante.

Feliz Páscoa!

Paz a todos e todas.

3 Comentários

  1. carlos Alberto Beatriz
    abr 24, 2009 @ 21:04:37

    Jesus já mostrava a ressurreição. O diálogo estabelecido entre Marta e Jesus igualmente se repete a cada momento quando um de nossos irmãos vai para a casa do Pai. A reflexão contida no texto trazido pelo Silvio Alves Felix é também aquela realizada por nós, ministros de Exéquias no Cemitério da Quarta Parada. Que mensagem segura Jesus nos deu: Lázaro,vem para fora!.

  2. carlos Alberto Beatriz
    abr 25, 2009 @ 18:59:13

    Fukuoka – Neste sábado – 25/04/09, rezamos com várias famílias no Cemitério da Quarta Parada, igualmente refletindo o encontro de Jesus com Marta. Não foi diferente com nossos irmãos de origem japonesa. Já sentimos saudades da Alice Tabata e da Yoshiko Hirose. Lembramos também dos nossos irmãos das cidades de Fukuoka e Nagazaki do Japão. Muitos de nós possuem ligações com descendentes de japoneses, cujas famílias ajudaram a construir esse Brasil e também são unidos na mesma fé. Rezamos com muita devoção.

  3. Etel Maria Pereira da Costa
    nov 01, 2009 @ 20:39:57

    Gostei deste jornal. Parabéns! Ir. Etel