Um dia na cidade real

Wanderley de Oliveira

A equipe d’O Arcanjo no ar acompanhou nesta segunda-feira, 13 de abril, o monsenhor Julio Lancellotti em uma incursão pela cidade de São Paulo que nunca aparece na mídia, ocupada que está com as vidinhas “célebres” e vazias dos BBBs da vida virtual.

15 horas – Bairro do Limoeiro

No extremo leste da cidade, em São Mateus, 800 famílias do movimento Frente de Luta por Moradia ocuparam no domingo de Páscoa um terreno de um milhão de metros quadrados. Outras ocupações ocorreram em outros terrenos e prédios públicos por toda a cidade.

No momento da visita do Padre Julio aos acampados, a maioria era constituída por mulheres e crianças. Segundo o coordenador do movimento, Osmar Borges, a área pertence a uma indústria que acumula dívida de R$ 2 milhões junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, diga-se que o terreno nem ao menos estava cercado. As ações são para alertar a opinião pública e os governos, municipal, estadual e federal, para que as políticas públicas de habitação contemplem o acesso das famílias com renda de até três salários mínimos para os programas de moradia.

No próprio domingo de Páscoa o jornal O Estado de São Paulo deu em manchete que cortiços do Brás e da Mooca têm o metro quadrado mais caro até que o Morumbi. Segundo o jornal, um cômodo de 10 metros quadrados custa R$28,00 o metro.

Osmar Borges, coordenador do movimento, afirma que a capital paulista tem déficit de 1,6 milhão de moradias para as famílias mais pobres. Falta moradia mas por toda a cidade há 400 mil imóveis desocupados. Segundo as estatísticas oficiais, três milhões de pessoas moram em condições precárias, em favelas, cortiços ou de favor.

21 horas – Centro

Padre Julio e Anderson Lopes, da Pastoral do Povo da Rua, saem para uma caminhada no centro da capital a fim de mostrar aos vereadores da comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal a condição de abandono de algumas centenas das cerca de 16 mil pessoas que vivem em situação de rua .

Noite chuvosa, o luminoso indica que a temperatura é de 14º C, a caminhada percorre o viaduto Jacareí, o Largo de São Francisco, a Rua São Bento, Rua Boa Vista e Praça da Sé. A cada quarteirão, dezenas de pessoas estão “acomodadas” sob a marquise dos edifícios, cobertos por lençóis e caixas de papelão molhado. Homens, mulheres, crianças e idosos fazem filas imensas diante de uns poucos carros de abnegados que distribuem um copo de água e sopa quente.

Os depoimentos dos desabrigados aos vereadores são tocantes e lúcidos. Todos reclamam da falta de trabalho, de moradia, dos abrigos sempre lotados e denunciam os espancamentos e maus tratos recebidos dos por parte de alguns agentes policiais.

O retrato da falta ou ineficiência de políticas públicas de inclusão social está há exatos cinqüenta passos da porta do gabinete do prefeito: sob a marquise da praça do Patriarca dormem 20 pessoas no chão molhado.

23 horas

Anderson, ex-catador e morador de rua, agora voluntário do serviço da Pastoral, me diz o que determina a Constituição Federal, art.3, inciso III: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. O carro da reportagem deixa Anderson no Metrô Belém, ele ainda pegará o trem e uma perua para chegar até sua residência na Cidade Tiradentes, zona leste.

Será a cidade de São Paulo uma cidade possível? Além de moradia, de alimento, de trabalho, o que mais falta na cidade é a solidariedade dos moradores que têm plena cidadania para com os que sobrevivem nela em condições sub humanas.

Os poetas, os ativistas sociais e alguns religiosos nos mantêm a esperança de que tantos pisam esta terra que um dia ela irá se humanizar.

A paz é fruto da justiça social.

Wanderley é cineasta e repórter voluntário do Arcanjo no Ar

2 Comentários

  1. Teresa Norma Tadeu Castellani
    abr 19, 2009 @ 22:17:26

    Esta reportagem me inspirou a pesquisar. O que eu posso fazer?… que sou só uma gota nesse oceano de desigualdade e encontrei na Internet um site:
    http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/lo.htm#bco
    Copiei um pedacinho que achei lindo. Principalmente o ultimo paragrafo de Sta Catarina

    PAPA JOÃO PAULO II
    CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

    II. Igualdade e diferença entre os homens

    … Criados à imagem do Deus único, dotados duma idêntica alma racional, todos os homens têm a mesma natureza e a mesma origem. Resgatados pelo sacrifício de Cristo, todos são chamados a participar da mesma bem-aventurança divina. Todos gozam, portanto, de igual dignidade.

    A igualdade entre os homens assenta essencialmente na sua dignidade pessoal e nos direitos que dela dimanam:
    «Toda a espécie de discriminação relativamente aos direitos fundamentais da pessoa, quer por razão do sexo, quer da raça, cor, condição social, língua ou religião, deve ser ultrapassada e eliminada como contrária ao desígnio de Deus» (42).

    (42). II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes GS 29, AAS 58 (1966) 1048-1049.

    Ao vir ao mundo, o homem não dispõe de tudo o que é necessário para o desenvolvimento da sua vida corporal e espiritual. Precisa dos outros. Há diferenças relacionadas com a idade, as capacidades físicas, as aptidões intelectuais e morais, os intercâmbios de que cada um pôde beneficiar, a distribuição das riquezas (43). Os «talentos» não são distribuídos por igual (44).

    (43). Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, GS 29, AAS 58 (1966) 1048.
    (44). Cf. Mt 25,14-30 Lc 19,11-27.

    Estas diferenças fazem parte do plano de Deus que quer que cada um receba de outrem aquilo de que precisa e que os que dispõem de «talentos» particulares comuniquem os seus benefícios aos que deles precisam. As diferenças estimulam e muitas vezes obrigam as pessoas à magnanimidade, à benevolência e à partilha: e incitam as culturas a enriquecerem-se umas às outras:

    «Eu distribuo as virtudes tão diferentemente, que não dou tudo a todos, mas a uns uma e a outros outra […] A um darei principalmente a caridade, a outro a justiça, a este a humildade, àquele uma fé viva. […] E assim dei muitos dons e graças de virtudes, espirituais e temporais, com tal diversidade, que não comuniquei tudo a uma só pessoa, a fim de que vós fosseis forçados a usar de caridade uns para com os outros; […] Eu quis que um tivesse necessidade do outro e todos fossem meus ministros na distribuição das graças e dons de Mim recebidos» (45).
    (45). Santa Catarina de Sena, Il dialogo della Divina provvidenza, 7: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p. 23-24.

  2. Wanderley de Oliveira
    abr 20, 2009 @ 16:46:42

    Referente ao comentário da leitora Teresa Norma Tadeu Castellani, sobre minha reportagem sobre a injustiça social em São Paulo. Prezada Teresa, primeiro muito obrigado por sua contribuição, mas sobre você ser apenas uma gota d’água, uma frase de madre Teresa de Calcutá: “Posso ser apenas uma gota d’água no oceano, mas depois de mim o oceano não será o mesmo”. Saudações fraternas. Wanderley de Oliveira