A Igreja servidora de Dom Helder

Pe. Geovane Saraiva

Dom Helder Câmara, por onde passou, deixou uma marca indelével. Mesmo no ostracismo, no isolamento e excluído dos meios de comunicação social, durante o regime militar, que via nele um risco e um perigo à democracia, permaneceu forte e corajoso, sem nunca se abalar.

Ele foi uma das poucas criaturas da humanidade, com seu jeito de viver e de colocar-se diante de Deus, que nos deixa verdadeiramente orgulhosos. Foi um dos homens mais humano, mais simples e mais transparente que a nossa civilização cristã já produziu. A paixão dele por Deus era enorme e se traduzia no seu modo de amar o irmão, vendo nele o próprio Deus.

Sua força imaginadora, sua criatividade e, sobretudo, sua capacidade de produzir e realizar as coisas foram extraordinárias, fazendo surgir uma nova Igreja, uma Igreja marcada, profundamente pela esperança, como ele afirmava: “Esperança é crer na aventura do amor, jogar nos homens, pular no escuro, confiando em Deus”. Ele se antecipou, em ideias e vestes, ao aggiornamento que o Papa João XXIII promoveu e com o qual iria revolucionar, não apenas a Igreja, mas o mundo hodierno.

Dom Helder foi um articulador, na melhor expressão da palavra, um conspirador, pensando no bem, com suas iniciativas, compartilhadas por muita gente da Igreja, desejando fazer com que a Igreja-Instituição se comprometesse e se engajasse na causa dos empobrecidos, identificando-se com seu Fundador e Mestre, Nosso Senhor Jesus Cristo. Pensava e desejava ele uma Igreja mais pobre e mais servidora.

O “Pacto das Catacumbas”, documento desafiador e ao mesmo tempo salutar, 16 de novembro de 1965, que foi uma excelente oportunidade para uma boa parte dos bispos pensar e refletir sobre eles mesmos, no sentido de viver na simplicidade e na pobreza, numa Igreja encarnada na realidade, comprometida com seu  povo, renunciando as aparências de riqueza, dizendo não as vaidades, consciente da justiça e da caridade.

Logo que chegou ao Rio de Janeiro, numa hora santa do clero, em que o Cardeal Sebastião Leme criara os turnos de Adoração ao Santíssimo Sacramento, o jovem Padre Helder subiu ao púlpito para o seu primeiro sermão junto aos colegas de sua nova Diocese. A figura magra, pálida, de olhos fechados, mãos trêmulas e exaltadas, pronunciou uma oração que, até bem pouco, era recordada pelos padres daquela Arquidiocese do Rio. Foi quase um escândalo: Dom Helder cobrou dos sacerdotes aquele fervor e aquele entusiasmo que dia-a-dia, pouco a pouco ia se esfriando. Como em transe, os Profetas do Antigo Testamento, enumerava as tibiezas de todos e de cada um, o desamor ao trabalho pastoral e a falta de garra no apostolado…

Ao assumir a Arquidiocese de Olinda e Recife, na sua mensagem de posse, disse com firmeza: “Quem estiver sofrendo, no corpo ou na alma; quem, pobre ou rico, estiver desesperado, terá lugar especial no coração do bispo”. A pregação do Evangelho foi para ele, ao mesmo tempo, candente e misericordiosa, apaixonada e sensata.

O pastor dos empobrecidos, dos “sem voz e sem vez”, dizia bem alto: “Ninguém se escandalize quando me vir frequentando criaturas tidas como indignas e pecadoras. Ninguém se espante me vendo com criaturas tidas como envolventes e perigosas”.

Que o Peregrino da Paz e o Irmão dos Pobres, no seu centenário de nascimento, lá do céu, lembre-se de nós.