Beato Anchieta, o companheiro de Jesus

Gilda Carvalho

Como podemos fazer de nossa vida um testemunho vivo da comunhão com Cristo? José de Anchieta o fez. Jesuíta, apóstolo, missionário, Anchieta vai cumprir um papel fundamental na colonização de nosso país, onde viveu por 44 anos, participando ativamente da vida da colônia que surgia, evangelizando índios, cuidando de doentes, escrevendo a história daqueles dias sob a forma de cartas e poemas, fundando colégios e cidades.

Anchieta talvez tenha sido um dos jesuítas mais bem preparados que chegaram ao Brasil Colônia, enviados pela Companhia de Jesus para evangelizar as novas terras descobertas. Humilde, mesmo quando foi feito Provincial, continuou trabalhando como enfermeiro em hospitais e evangelizando os índios, tarefa que se dedicava com paciência e alegria. Aqui aprendeu a língua tupi e, através dela, comunicava-se com os habitantes da terra, transmitindo-lhes a mensagem do Evangelho. Escreveu diversas peças de teatro com as quais realizava o seu trabalho de evangelização.

O amor por Deus movia Anchieta em tudo o que fazia. Doente de um mal doloroso, não se deixava alquebrar pelos reveses de seus próprios sofrimentos. Antes, ia ao encontro do outro, oferecendo-se ao serviço fosse esse o cuidar de doentes, o cozinhar, o escrever, o evangelizar. Viveu, enfim, em últimas conseqüências, o ideal de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus: Em tudo amar e servir!

E este ideal só o vive aquele que se une irremediavelmente a Cristo. O desejo de levar a Boa Nova de Jesus Cristo a toda criatura fez com que Anchieta superasse todas as limitações: as suas e as de seu tempo. Ao olhar o tamanho de sua obra resta-nos pensar sobre o que seria o Brasil hoje se ele não tivesse andado por essas terras. Dessa forma, temos a dimensão da importância de seu trabalho, da sua capacidade de construir e, mais, da intensidade de sua vida de oração. Esta última é, sem dúvida, determinante para todo o empreendimento de Anchieta em nosso país.

Homem cheio do Espírito encontra na oração a forma de melhor distribuir e oferecer ao povo local seus talentos que a todos disponibiliza. Só aquele que vive em Cristo e por Cristo é capaz de construir e deixar bons frutos. E aqui, vemos a marca da adesão de Anchieta à proposta de Seu Senhor: a Ele servia e amava, a tudo e a todos, através de seus inúmeros dons e de sua disponibilidade.

Tal como Jesus de Nazaré, superava a si próprio para ir ao encontro do outro. Não havia sol, chuva, doença ou distância. Lá ia Anchieta, o “santinho corcós”, no dizer da poeta. Como Jesus percorreu os caminhos da Palestina, assim Anchieta fez em nosso país. Não morreu martirizado como o Mestre, mas soube como entregar sua dores ao Pai e Nele encontrar forças para continuar.

Anchieta morreu em 09 de junho de 1597, em Reritiba, no Espírito Santo, cidade que hoje leva o seu nome. Ainda em suas exéquias, foi proclamado Apóstolo do Brasil pelo Bispo D. Bartolomeu Simões Pereira. Respeitado por pessoas de todas as raças e classes sociais, continuou sendo venerado após sua morte. Por sua intercessão, atribuem-se milagres. Em 22 de junho de 1980 foi beatificado pelo papa João Paulo II e caminha-se hoje para a consolidação do processo de sua canonização definitiva.

Durante a Guerra contra os índios tamoios, Anchieta foi feito refém dos índios enquanto Pe. Nóbrega negociava a paz com os portugueses. Durante o período em que durou sua prisão, o Beato sofreu muitas violências morais, sem, contudo, perder a fé e deixar de acreditar que tudo passaria e o Espírito de Deus faria reinar a paz. E assim se sucedeu. Por ter experimentado o cativeiro e a violência, Anchieta é venerado como protetor contra todas as formas de violência. E é dessa devoção particular, que fica como texto sugerido para nossa oração, pedindo ao Apóstolo do Brasil que interceda por nós junto ao Senhor, para que a paz volte a reinar em nossas cidades:

Oração do Manto

Beato Anchieta, cujo coração abrasado pelo amor ao próximo buscou com afinco aliviar os males do corpo e da alma de todos os que estivessem necessitados, aliviai-nos hoje das aflições deste mundo tão conturbado.

E assim como vosso santo manto tantas vezes vos protegeu do sol, do frio, dos ventos, das tempestades e dos perigos da selva, nas incansáveis andanças por terras do Brasil em nome do Senhor, rogamos também neste momento a vossa proteção. Recolhei-nos de agora em diante sob ele. Abrigai, envolvei, agasalhai e protegei o nosso corpo dos perigos que diariamente estamos sujeitos a enfrentar, fazendo com que possamos nos tornar invisíveis diante da agressão e da violência de um assalto e de um seqüestro. Abrigai também a nossa razão, o nosso entendimento, o nosso coração e a nossa alma para que reconfortados, fortalecidos e interiormente harmonizados possamos construir a nossa existência neste mundo, como o fizestes, “para a maior glória de Deus”.

Beato Pe. Anchieta, a vós que num ato de coragem, tão próprio da vossa infinita bondade e do vosso amor ao próximo, vos tornastes refém dos indígenas, em nome da paz entre todos os irmãos, rogamos também que abrandeis hoje o coração de todos aqueles que nos tornam diariamente reféns do temor em decorrência dos seus atos de desmando cruel. Dai-lhes discernimento!