Dom Aloisio: quanta humildade!

Miguel Brandão

Em boa hora, Padre Geovane Saraiva, pároco da Parquelândia em Fortaleza (CE), teve essa feliz idéia de publicar alguns escritos de Dom Aloísio Lorscheider, dentre os inúmeros que escreveu durante os vinte e dois anos de ministério episcopal na Arquidiocese de Fortaleza.

Estes textos são reveladores de sua capacidade de estar ao mesmo tempo intimamente unido ao “Bom Deus”, como ele gostava de tratá-lo, e ao povo que pastoreava. Na meditação da Palavra de Deus, na Eucaristia, na oração do Ofício Divino se inebriava, se fortalecia, e na ação caritativa, prestimosa, solidária, constante e incansável, se entregava todos os dias para animar seus padres, para consolar os sofredores, para reanimar os fracos, para se solidarizar com os pobres e excluídos, de qualquer espécie, na luta em defesa da vida, da inclusão, da cidadania, contra os poderosos opressores e exploradores do povo.

Estive pertinho de Dom Aloísio nos seus últimos anos de arcebispo de Fortaleza, já com a saúde debilitada, coração fraquejado. Posso testemunhar algumas coisas eclesialmente bonitas, humanamente edificantes:

1.A colegialidade dos bispos era uma preocupação permanente em seu ministério episcopal. Quer com os bispos auxiliares, no âmbito da Arquidiocese de Fortaleza, com os quais trabalhava em comunhão permanente, quer com os bispos das outras dioceses, no âmbito do Regional Nordeste 1, do qual era Presidente, Dom Aloísio não tomava decisões isoladamente, nem agia solitariamente. Isso se traduzia na multiplicidade de reuniões, encontros, assembléias, sempre com o seu caderno na mão, atento a todos, anotando tudo. Ele costumava dizer que a ascese, hoje, é ficar sentado, participando de reuniões para agir em comunhão.

2.Dom Aloísio zelava pela formação permanente dos presbíteros e pela participação deles e dos leigos nas decisões pastorais da arquidiocese. Inteligente e sábio, vislumbrava as necessidades pastorais, sabia de antemão o que fazer, que caminho tomar. Mas esperava… esperava pacientemente que os assuntos fossem sendo discutidos por padres e leigos, fossem amadurecendo aos poucos, até um consenso, até uma votação consciente e de ampla maioria nas assembléias arquidiocesanas. Assim foi com a criação das Regiões Episcopais, cujo processo durou praticamente três anos (1984-1986); assim com a partilha dos 10% das paróquias para a redistribuição, conforme as necessidades da Arquidiocese; assim, com o Projeto do Batismo, cujo texto mártir, durante dois anos, sofreu muitos estudos, emendas com supressões e alterações, desde as bases, em comissões nas paróquias, nas regiões episcopais, até ser submetido o texto final aos participantes da Assembléia Arquidiocesana de 1992, quando foi aprovado quase por unanimidade, mais de 95% de votos favoráveis; assim com o Projeto do Dízimo, cujo texto base foi feito e trabalhado em comissões e reuniões do Conselho Pastoral, durante o final do seu episcopado entre nós e foi retomado, aprovado e promulgado por Dom José Antonio Tosi, atual arcebispo de Fortaleza.

3.Dom Aloísio sempre estava perto do povo, de todo o povo, sobretudo do povo sofrido e maltratado. Aceitava os convites, não apenas para celebrar, mas também para visitar, para estar junto, para escutar os desabafos, para ver o sofrimento, para levar coragem e solidariedade, nas cadeias e presídios, nos hospitais, nas ocupações urbanas e assentamentos rurais, nas favelas e áreas de risco. Por isso, mudou junto com seus bispos auxiliares, escutando as Regiões Episcopais, o modelo de Visita Pastoral. Implantou a Visita Pastoral Missionária em que ele, os bispos auxiliares, o coordenador de pastoral, o vigário episcopal, os padres da Região, religiosas e missionários leigos voluntários, visitavam o povo de Deus. Era uma Visita pastoral missionária colegiada, ou comunional. E ele ia andando pelas ruas e vielas, pelas estradas e caminhos, nas ladeiras e no plano, de carro ou a pé, visitando as famílias, as comunidades eclesiais de base, os hospitais, os presídios, as escolas dos centros urbanos ou das periferias, das vilas ou povoados, do Sertão, da Serra e da Praia. Foi numa Visita Pastoral à Região Episcopal Metropolitana 1 que ele, seus bispos auxiliares, o vigário episcopal, alguns agentes pastorais e acompanhantes da Visita foram seqüestrados no Instituto Penal Paulo Sarasate. Mas foi um caso isolado, todos os presídios eram visitados nas visitas pastorais. Eu o vi conversando nas celas e nos corredores, com os presidiários do Instituto Penal Olavo Oliveira, no Itapery. Grandes encontros aconteciam nesta Visitas com o objetivo de ele e os missionários visitantes escutarem o que o povo da Região Episcopal, católico ou não, tinha a dizer: encontros com professores e educadores, com jovens, com trabalhadores rurais e assentados, com índios, com famílias, com catequistas… Duas de suas últimas cartas pastorais foram feitas no final de Visitas Pastorais. E as redigia com seus bispos auxiliares. Lembro-me que no dia do encerramento de uma Visita Pastoral à Região Serra, ele me entregou, manuscrita por ele, a Carta Pastoral sobre a Missão, para que desse minha opinião, tirasse ou acrescentasse alguma coisa. Quanta humildade! Um sábio e santo que pede o parecer de um simples pecador.

4.Tinha um carinho especial com os leigos e leigas, apoiando e ajudando a organização do Conselho de Leigos, os movimentos e pastorais que iam surgindo, as comunidades religiosas inseridas. Praticamente não faltava, participando integralmente, aos encontros do Cursilho de Cristandade, às Assembléias das CEBs, do Conselho de Leigos, da Pastoral Operária e de outras pastorais e movimentos. Tinha um carinho todo especial com os excluídos, sofredores de qualquer tipo de exclusão. Participou de vários encontros dos padres casados de Fortaleza e abriu uma sala da Prainha para sede do Movimento dos Padres Casados e o Seminário de Teologia, no bairro Dias Macedo, para realização do Congresso dos Padres Casados do Nordeste, do qual participou. Incentivou e animou a criação do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, da Pastoral Indigenista, da Pastoral do Menor, da Pastoral do Solo Urbano. Sobre o Solo Urbano fez uma carta pastoral que está transcrita neste livro.

5.Lembro-me do prazer e carinho que tinha em escutar as pessoas. Presenciei isso numa das visitas que fez ao Artesanato Vocacional Escola – AVE, obra filantrópica, caridade social, de minha querida esposa Maria de Lourdes, em Messejana. Ficou até tarde da noite escutando as lamentações e dores, econômicas e morais, de homens e mulheres de favelas e ocupações vizinhas. Era para mim um prazer ouvir suas intervenções, suas homilias, seus pronunciamentos. Só sua presença já me fazia bem. Bebia a sabedoria de suas palavras e aprendi muita coisa com ele. Que, por exemplo, a opção preferencial e evangélica pelos pobres não significa que vamos evangelizá-los, mas que eles é que nos evangelizam, que nos apresentam e nos revelam a face de Cristo, que nos anunciam o Reino de Deus. Minha inteligência se satisfazia, minha fé se alimentava e enchia-me de entusiasmo (entusiasmo, etimologicamente, é ficar cheio de Deus). Os minutos passavam e eu não cansava.

Dom Aloísio foi-me um pai, um pai querido, que me escolheu, que me chamou, que me jogou de novo na lida…

O padre Geovane Saraiva, querido amigo, está de parabéns por esta iniciativa. Enquanto Dom Aloísio se preparava para viajar e fazia as malas para Aparecida, recolhi em sua casa para o Secretariado de Pastoral e para a Sala de História da Arquidiocese vários de seus escritos que não pretendia levar consigo, prometendo-me a mim mesmo que iria publicá-los. Não o fiz. Pelo menos ainda não. Espero um dia fazê-lo ou ajudar a Arquidiocese a tal. Os escritos de Dom Aloísio são preciosos demais para ficarem apenas arquivados numa sala de História. Muito menos podem cair no esquecimento. Que o exemplo do padre Geovane seja seguido.