Economia centrada na vida

Frei Betto

O tema da Campanha da Fraternidade 2010, promovida pela CNBB e o CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil), é “Economia e vida”. Lançada na Quarta-Feira de Cinzas, a campanha tem como lema o versículo do evangelho de Mateus: “Não se pode servir a Deus e ao dinheiro” (6, 24).

Em plena crise do sistema capitalista, que ameaça as finanças de vários países, o tema escolhido por bispos e pastores cristãos é de suma atualidade no ano em que os eleitores brasileiros deverão escolher seus novos governantes. A economia, palavra que deriva do grego oikos+nomos, “administração da casa”, não deveria ser encarada pela ótica da maximização do lucro, e sim pelo bem-estar da coletividade.

A Campanha da Fraternidade objetiva sensibilizar a sociedade sobre o valor sagrado de cada pessoa que a constitui; criticar o consumismo e superar o individualismo; enfatizar a relação entre fé e vida, através da prática da justiça; ampliar a democracia firmada em metas de sustentabilidade.

Isso significa “denunciar a perversidade de todo modelo econômico que vise, em primeiro lugar, ao lucro, sem se importar com a desigualdade, a miséria, a fome e a morte; educar para a prática de uma economia de solidariedade; conclamar igrejas, religiões e sociedade para ações sociais e políticas que levem à implantação de um modelo econômico de solidariedade e justiça.”

O documento reconhece que “um bom número de brasileiros, na última década, saiu do estado convencionalmente definido de pobreza, mas o Brasil confirma hoje a realidade de enorme desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza. Segundo o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, em 2007 existiam no Brasil 10,7 milhões de indigentes (ou seja, famintos), e 46,3 milhões de pobres (ou seja, sem acesso às necessidades básicas: alimentação, habitação, vestuário, higiene, saúde, educação, transporte, lazer, entre outras), considerando valor dos bens em cada local pesquisado.”

A parcela da população brasileira que vive em estado classificado, tecnicamente, como de extrema pobreza, continuará a ser indigente, pois não consegue, de modo geral, quebrar esse círculo vicioso, a não ser que a sociedade se organize de outro modo, colocando acima dos interesses de mercado o ser humano.

Na raiz da desigualdade social está a concentração de terras rurais em mãos de poucas famílias ou empresas. Cerca de 3% do total das propriedades rurais do Brasil são latifúndios, ou seja, têm mais de 1.000 ha e ocupam 57% das terras agriculturáveis – de acordo com o Atlas Fundiário do INCRA. É como se a área ocupada pelos estados de São Paulo e Paraná, juntos, estivesse em mãos dos 300 maiores proprietários rurais, enquanto 4,8 milhões de famílias sem-terra estão à espera de chão para plantar.

A lógica econômica que predomina na política do governo insiste em elevar os juros para favorecer o mercado financeiro e prejudicar os consumidores. Basta dizer que governo federal gastou em 2008, com a dívida pública, 30,57% do orçamento da União, para irrigar a especulação financeira. E apenas 11,73% com saúde (4,81%), educação (2,57%), assistência social (3,08%), habitação (0,02%), segurança pública (0,59%), organização agrária (0,27%), saneamento (0,05%), urbanismo (0,12%), cultura (0,06%) e gestão ambiental (0,16%).

E, no Brasil, quem mais paga impostos são os pobres, pois os 10% mais pobres da população destinam 32,8% de sua escassa renda ao pagamento de tributos, enquanto os 10% mais ricos apenas 22,7% da renda.

A Campanha da Fraternidade convida os fiéis a refletirem sobre a contradição de um sistema econômico prensado entre cidadãos interessados em satisfazer suas necessidades e desejos, e empreendedores e agentes financeiros em busca da maximização do lucro. Uma importante parcela da moderna economia capitalista é meramente virtual, decorre de vultosas movimentações de capital, não gera bens e produtos em benefício da sociedade, serve apenas para o enriquecimento de uns poucos com o fruto da especulação financeira.

O ciclo da moderna economia política fecha-se num mundo autossuficiente, indiferente a qualquer consideração ética sobre a vida humana e a preservação da natureza. A evolução da história, a miséria em que vive grande parte da humanidade, põem em questão o rigor e a seriedade dessa ciência e a bondade das políticas econômicas voltadas mais ao crescimento e à acumulação da riqueza do que ao verdadeiro desenvolvimento sustentável.

A CNBB e o CONIC propõem a realização de um plebiscito no próximo 7 de setembro – data da Independência do Brasil e dia do Grito dos Excluídos – em prol do limite de propriedade da terra e em defesa da reforma agrária e da soberania territorial e alimentar. É preciso que haja leis limitando o tamanho das propriedades rurais no Brasil, de modo a evitar latifúndios improdutivos, êxodo rural, trabalho escravo e exploração da mão de obra migrante, como ocorre em canaviais.

O Evangelho, ao contrapor serviço a Deus e ao dinheiro, apela à nossa consciência: as riquezas resultantes da natureza e do trabalho humano se destinam ao bem-estar de toda a humanidade ou à apropriação privada de uns poucos que, nos novos templos chamados bancos, adoram a Mamon, o ídolo que traz felicidade à minoria que se nutre do sofrimento, da miséria e da morte da maioria?

Um Comentário

  1. zeneide lustosa ribeiro
    fev 28, 2010 @ 21:40:47

    Economia Centrada

    Discordo do Frei Beto amigo por quem tenho respeito e admiração,quando cita dados de economistas frustados.A pesquisa do Data Folha de hoje,aponta que o Governo Lula tem aprovação 93% entre ótimo,bom,e regular,5% pessimo e ruim e apenas 2% não souberam responder.
    Acho que ele tem o direito de se manifestar e eu o direito de discordar.
    A mesma pesquisa mostra que Dilma Roussef,subiu e José Serra caiu ficando tecnicamente empatados.
    Isso é o reflexo do crescimento econômico!
    Existem ainda,dados que mostram que mais de20 milhões de brasileiros ascenderam à classe mèdia e grande avanço para os que viviam na extrema pobreza.
    Há indicadores que apontam que seguindo esta mesma Politica de Desenvolvimento em menos de dez anos deveremos alcançar os mesmos padrões dos paises desenvolvidos.
    Aquele abraço.
    Zeneide