Economia e Vida (V): a produção da vida e a DST

Jung Mo Sung

No artigo anterior vimos que as boas intenções e as conversões pessoais são importantes para uma sociedade mais justa, mas não são suficientes porque todas as ações humanas produzem efeitos intencionais e não-intencionais. Esses efeitos não intencionais, que podem ser bons ou maus, são resultados das interferências da dinâmica do sistema no qual se dá a ação. Por isso, boas intenções são importantes, mas não suficientes. É preciso também levar em consideração o sistema econômico-sócio-político-cultural.

Por isso, vamos continuar a nossa reflexão sobre o sistema econômico. Na verdade, se pensarmos na sociedade como um todo, a expressão correta seria subsistema econômico, porque está dentro de um sistema maior, a sociedade. Mas, como vamos nos concentrar na economia, vamos usar aqui a expressão sistema econômico.

Todos os seres vivos precisam retirar do seu meio ambiente o necessário para reproduzir a sua vida. No caso dos seres humanos, nós fazemos isso através do trabalho. Nós humanos precisamos de um mínimo de conjunto de bens materiais para nos mantermos vivos: comida, bebida, roupa (pelo menos para nos proteger do frio), habitação, remédios para enfermidades ou traumas, segurança contra os perigos que nos ameaçam (por ex., animais selvagens, criminosos que querem roubar os nossos bens de subsistência). Produção desses bens abaixo do mínimo necessário significa a morte de uma parcela ou de todo o grupo. Na medida em que indivíduo não consegue produzir sozinho todos esses bens (a não ser em casos muito excepcionais), viver e trabalhar em coletividade se torna uma questão de sobrevivência. No grupo, cada um produz uma parte do conjunto de bens necessários ou faz uma parte do conjunto de trabalhos necessários para a sobrevivência do grupo. Estamos falando aqui da divisão social do trabalho (DST).

A somatória dos trabalhos individuais não forma necessariamente um sistema econômico. Para que o conjunto dos trabalhos constitua um sistema, é preciso que cada trabalho se articule com um outro e a totalidade desses trabalhos se “feche” em um sistema. Por ex., na produção de uma enxada, o responsável pelo cabo de madeira precisa levar em conta o formato e o tamanho da lâmina de metal produzido pelo ferreiro, especialmente o do orifício onde o cabe vai ser encaixado. E essa enxada precisa chegar à mão dos agricultores que a necessitam e sabem lidar com esse instrumento. E assim por diante.

Quando falamos de trabalhos parciais dentro de um sistema, é preciso perguntar pelo processo de coordenação desses trabalhos. Nas antigas comunidades pequenas, a decisão de o que, quanto, como e para quem produzir era tomada em reuniões do conselho de anciãos, ou algo parecido. Decisões equivocadas significavam fome. Por isso, os antigos tinham muita resistência em abandonar os métodos que tinham dado certo no passado. Novidades eram vistas com suspeita. Só que quando o meio ambiente se modifica, seja pelo próprio trabalho da comunidade, pelo desenvolvimento de tecnologias, pelas mudanças climáticas ou interferência de um grupo externo, é preciso readequar partes do conjunto do trabalho e, com isso, refazer o sistema como um todo. Grupos que não são capazes de produzir respostas adequadas a essas mudanças passam por fome e/ou acabam sendo dominados ou se submetendo a outros mais fortes.

Na medida em que pequenos grupos, como clãs, se aliam com outros para formar uma tribo, uma nação e estabelecem relações comerciais de média e longa distância para ter acesso aos bens que não conseguem produzir, o sistema cresce e se modifica e o método anterior da coordenação da DST não dá mais conta.

Uma decisão baseada somente na situação local, sem levar em conta a totalidade do sistema dentro do qual está localizado e conectado, produz muitos efeitos não-intencionais negativos. Não por causa da boa ou má vontade de quem decide ou propõe uma decisão, mas porque esse “local” não é um sistema isolado, mas é um subsistema inserido em um sistema mais amplo. Assim sendo, suas ações afetam outros grupos e interesses que compõem o sistema, e as ações e reações desses também afetam e afetarão o “local”.

Um exemplo contemporâneo dessa questão é a discussão sobre construções de hidrelétricas no Brasil. É claro que as represas que se formam com as hidrelétricas causam problemas para os moradores das ribeirinhas e impactam no meio ambiente. Mas, a economia e o modo como vivemos hoje no Brasil requer mais fontes de energia elétrica. Sem novas fontes de energia (hidrelétrica, nuclear ou térmica), haverá problema, por ex., na geração de novos empregos. E sem isso, o número de desempregados aumentará, sem falar em apagões. O que devemos evitar é cair em dois extremos: a) defender de modo absoluto os moradores locais e a natureza como está hoje; b) impor as construções sem levar em conta a realidade local e o meio ambiente.

Voltamos assim à pergunta: no nosso sistema econômico que é global, como se dá a decisão sobre o que, quanto, como e para quem vai se produzir? (tema do próximo artigo.)