Ele falou em Nome de Deus

Pe. Geovane Saraiva

Dom Helder Câmara foi um cristão, que de Deus recebeu dons e talentos, numa grande graça, procurou vivê-los com coerência profética, sendo para o mundo sal e luz. Na sua missão, ofertada pelo Pai, projetou os valores do Reino, na sua beleza e preciosidade, contribuindo enormemente para definir a opção de uma multidão de pessoas diante dos desafios e encruzilhadas da vida.

Investido da força do alto, esforçou-se para impedir que os valores que não são deste mundo se transformassem em realidade, na sua luta em favor da justiça do Reino, que tem origem no mistério pascal de Jesus. E foi exatamente na Páscoa do Filho de Deus, que Dom Helder lançou uma proposta de superação de todo tipo de empecilho, começando com indiferença, o individualismo e a hipocrisia, levando adiante o sonho de esperança, nesta sua afirmação: “Das barreiras a romper, a que mais custa e a que mais importa é, sem dúvida, a da mediocridade”.

Sempre que falamos ou escrevemos sobre Dom Helder, estamos certos de que a lembrança de sua vida vem ao nosso encontro, no sentido de ajudar a manter vivo esse farol luminoso, numa imorredoura esperança. Nunca podemos deixar de pensar nesse irmão, profundamente carismático e bom, justo, solidário e fraterno, com seus sonhos e utopias, numa disposição espiritual e interior para lutar em favor da construção de um mundo de irmãos.

O rastro luminoso que sua ação deixou, brilhou de um modo fulgurante através de seu lema episcopal: “In manus tuas” (em tuas mãos, Senhor). Aqui vemos a marca de seu profetismo inconfundível nesse peregrino, que em meio às coisas passageiras, ao andar por todo o planeta, sendo acolhido pelas diversas autoridades. Ao mesmo tempo em que carregou consigo uma enorme vontade de resolver a realidade do acentuado empobrecimento das crianças, jovens e adultos, sem teto e sem escola, além de travar uma luta incansável em favor da conscientização dos direitos humanos em toda sua plenitude.1

Dom Helder Câmara como ministro de Deus, como sacerdote da Igreja Católica, foi ao mesmo tempo escritor, conferencista, poeta, mas, sobretudo, um profeta que falou de Deus em nome de Deus. Construiu ao longo do século XX uma pedagogia marcada pela esperança, na qual levou o povo de Deus a sonhar com um mundo fraterno e solidário já aqui, segundo a vontade de Deus, fazendo a diferença. Foi a voz dos que não tinham voz no Brasil, na América Latina e em todo planeta, transformando-se numa referência mundial, no que diz respeito aos direitos e à dignidade da pessoa humana.2

Foi um bispo, que no falar e no agir, implantou um novo modo de ser bispo e ser Igreja, rompendo com os padrões existentes, razão pela qual, apesar de ter sido um dos maiores nomes da Igreja no mundo inteiro no século XX. E isso foi ótimo e maravilhoso, mas não lhe foi o suficiente para que fosse promovido a Cardeal. É claro que compreendemos como algo normal na convivência humana, pesando-lhe, certamente, a inveja e mesmo denúncias enviadas à Santa Sé, por setores descontentes, conservadores e fechados da Igreja.

Apóstolo dos direitos humanos, da justiça e da paz, a exemplo de Dom Paulo Evaristo Arns, de Dom Aloísio Lorscheider e tantos outros profetas, ele o foi, empreendendo na 2ª metade do século XX uma verdadeira cruzada contra a miséria, indo ao encontro dos sofredores de toda natureza, em nosso querido Brasil, visitando pessoalmente às prisões e fazendo denúncias aqui e no exterior. Homem de fé, que viveu animado pela esperança, na prática do amor doação, despojamento e ternura. Dom Helder Câmara, embora tenha partido para o seio do Pai em 27 de agosto de 1999, continua a dizer-nos que temos que viver segundo o Evangelho de Jesus e a descobrir o rosto de Deus nos seus filhos, especialmente nos pequenos e empobrecidos.