Em defesa da criança

J. B. Libanio

A sabedoria ensina-nos a irmos mais fundo nos problemas e a não nos prendermos à superfície midiática dos fatos. Atormenta a Igreja católica a triste e vergonhosa constatação de escândalos em instituições que cuidam de criança. O foco tem sido o abuso sexual. Aspecto, sem dúvida, chocante e pernicioso. A questão, porém, desperta-nos para reflexão mais profunda.

O abuso contra menores tem dupla face. A perversidade do adulto que os explora e a fragilidade psicoafetiva da criança. A primeira salta aos olhos e remete a questão ao mundo da perversão psicológica e do crime. A segunda encerra complexidade que não se tem trabalhado no nível da consciência pública.

A criança facilmente se entrega a quem lhe agita um sinal de agrado. Ela desperta nas pessoas sentimento de proteção e cuidado num primeiro movimento. Por isso, a publicidade e programas de auditório têm explorado escandalosamente a figura da criança.

Alguns paises nórdicos de maior cultura e cuidado com os direitos da criança proibiram terminantemente o uso da imagem de criança em propaganda. E com muita razão. E seria tempo de pensarmos seriamente em leis rígidas que a protegessem desse mundo explorador. Há programas infantis de TV que fazem mal à criança, inclusive sexualizando-a precocemente. Exibem crianças desinibidas e até mesmo com toques subliminarmente sexualizados. Nada disso se considera crime, embora o seja.

A agressiva propaganda consumista explora o mercado infantil com imagens de crianças a pedirem aos pais objetos de consumo. A eficácia de tais comerciais compensa o investimento. Elas dobram os pais para que comprem os produtos até mesmo além de suas possibilidades econômicas. Elas se sentem inferiores se não os possuem. Seduzem-nas para transformá-las em crianças-propaganda.

A consciência coletiva se vê açulada pela imprensa para condenar a violência real que se comete contra os menores. Cabe prolongar a reflexão para o lado simbólico de tal invasão afetiva. Que se leve até o mundo legislativo e judicial a reivindicação de proteção da criança, impondo forte censura sobre o uso da criança pelos meios publicitários. Tolerância zero. Trabalho lento a ser pensado e realizado em sintonia com pedagogos, psicólogos e educadores. Caberia aos pais serem os pioneiros dessa campanha. Infelizmente muitos deles por ignorância da repercussão nefasta da mídia sobre os filhos terminam até mesmo favorecendo tais danos psíquicos.

Toca-nos assumir a dianteira com propostas positivas. Nada educa tanto a criança do que ser cuidada com carinho, atenção e respeito. Nessa idade tenra elas assimilam a cultura e valores que se lhes transmitem. Existe enorme arsenal de estórias, de fábulas, de contos de fada, de narrações bíblicas de potencial educativo reconhecido à disposição e não necessitamos lançar mão de criações americanas e japonesas de extremo mau gosto e de suspeitos efeitos psíquicos.