Encíclica sobre economia será mais voltada para a ética e menos para a estrutura

Efetivamente tirando o êxito de sua própria encíclica a ser publicada sobre temas sociais, o Papa Bento XVI insistiu na semana passa que, por trás da atual crise econômica global, a ganância está à espreita, enraizada no pecado original, e que a reforma da arquitetura econômica global será de pouco uso sem a conversão dos corações dos indivíduos.

“Onde não há pessoas justas, não há justiça”, disse Bento. “Por isso, a educação na justiça deve ser uma prioridade, inclusive poderíamos dizer que é prioridade. (…) Boas estruturas não podem ser desenvolvidas se estão opostas pelo egoísmo, incluindo o das pessoas de grande competência técnica”.

Os comentários surgiram no dia 26 de fevereiro em uma sessão de perguntas e respostas de Bento com padres da diocese de Roma, como parte da observância quaresmal do Vaticano.

A “pré-estréia” desse dia sugere duas idéias sobre a nova encíclica:

* Ela se concentrará menos na análise estrutural do que em premissas éticas e espirituais da justiça econômica;

* Em vez de colocar em discordância o ativismo social e a piedade pessoal, às vezes referidos como espiritualidades “horizontal” e “vertical”, Bento parece mais inclinado a argumentar que os dois são mutuamente dependentes.

Espera-se que o Vaticano publique a nova carta encíclica de Bento, a terceira de seu pontificado, no final de março. Intitulada “Caridade na Verdade” (Caritas in Veritate), o documento estava planejado para aparecer em setembro de 2008, mas a erupção da crise econômica obrigou o papa a revisar o texto.

Materiais pré-publicação preparados no ano passado indicaram que a encíclica contém duas amplas seções: uma revisão do magistério social dos papas Paulo VI e João Paulo II, e então as reflexões de Bento sobre as maiores preocupações sociais como as ameaças à vida humana por nascer, a pobreza, questões de guerra e paz, terrorismo, globalização e ambientalismo. Em seu tratamento a essas questões, diz-se que Bento recorre a argumentos da lei natural, designados a serem abertos a todos, assim como à Bíblia.

Em seus comentários daquela quinta-feira, o papa disse que está trabalhando na encíclica “há muito tempo”.

“Ao longo do caminho, vejo como é difícil falar com competência, porque se não se enfrenta com competência uma certa realidade econômica, [o tratamento] não será crível”, disse o papa.

Uma carta encíclica ou circular é geralmente usada para expressar a forma mais longa e mais desenvolvida do magistério papal.

Bento falou sobre a economia no dia 26 em resposta a um padre que trabalha em um bairro pobre na periferia de Roma, que perguntou se a Igreja não está obrigada a “denunciar um sistema econômico e financeiro que é injusto desde suas raízes”.

Em sua resposta, Bento diferenciou dois níveis: a macrojustiça, no sentido da dimensão ética dos sistemas econômicos nacionais e internacionais, e a microjustiça, referindo-se às escolhas éticas dos indivíduos. Sua tese era de que, enquanto a Igreja é obrigada a denunciar as injustiças no seu primeiro nível, como “os erros fundamentais agora revelados no colapso dos grandes bancos norte-americanos”, sua contribuição única é promover a mudança de coração no segundo nível.

Bento insistiu que a crise econômica não pode ser entendida simplesmente em termos técnicos como um colapso do mecanismo econômico, mas deve ser vista espiritualmente como uma lição objetiva dos perigos da ganância, do autointeresse e de privilegiar os desejos do seu próprio grupo sobre o bem comum.

“No fim, é a avareza humana como pecado, ou, como diz a Carta aos Colossenses, avareza como idolatria”, disse o papa. “Devemos denunciar essa idolatrias que está contra o verdadeiro Deus e a falsificação da imagem de Deus como um outro Deus, ‘mammon’ [o deus da avareza]”.

O pecado original, argumentou Bento, distorce tanto a razão quanto os desejos humanos, permitindo que a força dos interesses estreitos prevaleçam sobre o bem de todos.

“Talvez seja pessimismo, mas me parece realismo: como há o pecado original, nunca alcançaremos uma correção radical e total”, disse o papa. “Porém, devemos fazer de tudo em favor de correções pelo menos provisórias, suficientes para permitir que a humanidade viva e para obstaculizar a dominação do egoísmo, que se apresenta sob pretextos de ciência e de economia nacional e internacional”.

Nesse sentido, disse o papa, o “trabalho humilde, cotidiano” dos párocos e das lideranças espirituais é, na verdade, “fundamental, não apenas para a paróquia, mas para a humanidade”.

“Se não anunciamos a macrojustiça, a microjustiça não crescerá”, afirmou Bento. “Mas, por outra parte, se não fazemos o trabalho muito humilde da microjustiça, também a macrojustiça não crescerá. E sempre, como disse na minha primeira encíclica, com todos os sistemas que possam crescer no mundo, com todos os sistemas que podem crescer no mundo, a caridade sempre permanece necessária”.