Ética e valores

J. B. Libanio

Nasce do coração humano o grito ético por valores. Há aqueles que valem por eles mesmos. Chamemo-los de autônomos. Não recebem sanção de nenhum poder ou sistema. Não se impõem em nome de nenhuma autoridade. Existe algo no nosso interior, que protesta veementemente contra que verdade e mentira, beleza e feiúra, amor e ódio, bem e mal, esperança e desespero, convivência e hostilidade, alegria e tristeza se igualem. E por quê? Valor, virtude não cabem sob o mesmo título que desvalor e vício.

Em termos puramente filosóficos permanecemos perplexos diante desse mistério. Reagimos a partir do sentido de humanidade que carregamos fundo no coração. Não conseguimos viver no nível dos cinco sentidos de nossa corporeidade. Eles buscam direta e exclusivamente o prazer. Apreciamo-lo e procuramo-lo no normal da vida. Mas, em dados momentos, ultrapassamos tal limiar por força de nossa dimensão de seres humanos feitos para a convivência com outros, para o bem, para o amor, para a beleza.

A teologia lança-nos mais longe. Aponta para a nossa origem primeira. Viemos de um Deus amor, belo, comunidade de vida trinitária, bom. E essa marca infundida no gesto criador constitui-nos o próprio ser. Não a arrancamos de nós. Se não nos demos o ser, também não conseguimos tirá-lo, voltando ao nada. Sempre existir, uma vez que se comece, pede perguntar-se pelo sentido último de tal fato. E, nesse momento, impõem-se-nos de dentro os valores fundamentais da existência.

Viver eticamente consiste precisamente em assumi-los existencialmente como referência. Há um núcleo inegociável em cada um deles de modo que seu contrário se nos aparece intolerável. Eles gozam da dupla qualidade de serem absolutos e universais. Absolutos porque esses valores são tais e não podem ser de outra maneira. Assim bondade não pode ser maldade. Universais porque eles existem em todos os tempos e em todas as partes. Verdade sempre existiu, existe e existirá aqui e em todos os lugares. Não se restringe nem a uma época nem a um lugar.

No entanto, ao concretizar-se assumem formas diversas do núcleo duro, sem perdê-lo. O amor têm muitas figuras. Mas nunca será ódio. O bem se veste de roupagens as mais diversas, sem, porém, travestir em mal. Essa resistência dos valores absolutos e universais permite que o ser humano elabore a ética. Ela vigia por sua realização. Impede que eles se diluam. Ela se volta continuamente a eles para apurar seu registro.

A tentação do relativismo choca com a barreira firme dos valores autônomos. Porque se ele avança sobre eles, termina por destruir a possibilidade da convivência humana. Realiza-se então o pesado dito de Sartre: “O inferno são os outros”. Em outros termos, o conviver humano infernaliza a todos. Maldito momento sem ética!