Gato e rato

Maria Clara Bingemer

Parece uma cruel brincadeira de gato e rato as grandes potências fazendo declarações e votações sobre a invasão ou não da Síria. Ou melhor, pareceria, porque não é brincadeira e sim tragédia.

Mais uma vez, um povo indefeso, que já está sofrendo cruelmente com os desvarios da violência do conflito interno, encontra-se sob a ameaça de potências estrangeiras que dizem querer a paz, mas vão exatamente reforçar a guerra.

O presidente Obama, que prometeu em sua campanha de reeleição recuar das guerras e construir a paz, quer a intervenção. Os presidentes da França e da Rússia também querem, mas dizem que não agirão sozinhos ou seguirão o que a ONU aconselhar após a inspeção do ataque que matou várias centenas de pessoas e suspeita-se haver sido realizado com armas químicas.

É, sim, indiscutível que houve um massacre. Mas não se sabe quem foram os responsáveis. Justamente por isso a ONU enviou inspetores à região. Parece, no entanto, que independentemente da posição da ONU, os líderes seguirão suas próprias cabeças e suas fomes e sedes de domínio e poder. Embora o presidente russo declare enfaticamente ser inadmissível atacar a Síria sem ouvir a ONU.

Enquanto isso, nós, espectadores da mídia, homens e mulheres de consciência e boa vontade, e amantes e construtores da paz, fazemos contagem regressiva, esperando a qualquer momento ouvir a notícia fatídica de que o ataque se fez realidade. E enquanto aguardamos, vemos na televisão e na internet as tristes imagens das mães e pais que abraçam desesperados seus filhos mortos e com os corpos sem nenhum sinal de violência, as esposas que choram seus maridos, os filhos que se desesperam ao ver os cadáveres dos pais.

É incrível como demoramos a aprender que não se combate a violência com mais violência. Não se minimiza um ataque com outro ataque. Que desfechar ataques de armas brancas, de fogo, ou químicas só semeia horror e dor, e não resolve os conflitos políticos que se deseja ver solucionados.

O Pe. Paolo dall’Oglio permanece desaparecido. Talvez esteja em algum ponto do norte do país. Assim como ele, outros que foram capturados por grupos mais radicais. Paolo e outros desejam realmente a paz para a Síria e arriscam suas vidas e integridade física para mediar o conflito, tentando ver como ajudar a pôr um ponto final.

No Vaticano, o Papa Francisco faz um apelo dramático. Durante a oração do Angelus do dia 3 de setembro, convocou um dia de jejum e oração, no próximo sábado, dia 7, em todo o mundo, pela paz na Síria e no Oriente Médio.

“Que o grito da paz se eleve com força para um mundo de paz. Não à guerra”, declarou o bispo de Roma, em um apelo lançado a milhares de pessoas reunidas na praça de São Pedro, em Roma.“Eu condeno veementemente o uso de armas químicas. Ainda tenho gravado em minha mente as imagens terríveis dos últimos dias”, acrescentou o Papa antes de continuar seu discurso contra a guerra. “Há um julgamento de Deus e um julgamento da história sobre nossas ações, dos quais nós não podemos escapar.”

E acrescentou: “Não é o uso de violência que trará a paz. A guerra atrai a guerra. Violência gera violência”, ressaltou o fiel discípulo de Jesus de Nazaré, o qual no Sermão da Montanha ensinou que os construtores da paz são felizes, bem-aventurados, e serão chamados “filhos de Deus”.

Francisco convocou todos os cristãos e também pessoas de outras religiões, inclusive não crentes, a participarem do ato. Bem consciente está o Papa do quanto é diabólica a violência que, em uma espiral infernal, gera sempre mais violência e nada paralisa seu poder de morte e horror.

O Papa lançou seu apelo com as armas de que dispõe: a oração e o jejum. Pois já dizia o mesmo Mestre Jesus de Nazaré que há certos demônios que somente são combatidos e expulsos com essas armas: a oração e o jejum. A violência irresponsável que acredita erradicar a violência do outro com a própria faz parte desta lista. E o Papa Francisco sabe disso.