Geração Jesus Cristo?

Maria Clara Lucchetti Bingemer *

O fanático, segundo a definição do dicionário, é aquele ou aquela que se considera inspirado por uma divindade, iluminado pelo espírito divino e por isso melhor do que os outros. É ainda aquele que tem zelo religioso cego, excessivo e intolerante. Exprime-se no transporte do furor divino. Severo e duro consigo mesmo, impondo-se restrições e limites desumanos, corre o risco de enxergar os outros com os mesmos olhos inclementes e frios com os quais se vê. E pode ver com frieza e indiferença a anulação daqueles que não partilham seus sentimentos e convicções.

A cidade do Rio de Janeiro começou a semana passada sacudida por lamentável episódio de fanatismo. Quatro jovens – três homens e uma mulher – foram detidos após invadir e destruir um centro espírita no Catete, Zona Sul do Rio. Fora, mais de 60 pessoas aguardavam, em fila, para entrar e participar da celebração. Os quatro entraram em fúria, destruindo santos, imagens, tudo que viam pela frente e gritando palavras ofensivas às pessoas presentes.

Altar, objetos de culto, nada escapou à violência cega e intolerante dos quatro jovens, que foram presos e liberados horas depois sem dar nenhuma declaração, a não ser que faziam parte de uma igreja evangélica chamada Geração Jesus Cristo. Apesar de o pastor responsável pela Igreja ter manifestado seu repúdio ao fato e declarado tratar-se de atitude isolada, uma vez que sua igreja prega a tolerância, o episódio não deixa de ser preocupante.

Quando a intolerância e o fanatismo assumem tais proporções, sobretudo em um grupo religioso que declara filiar-se ao cristianismo, algo muito distorcido e desviado está em curso. Pois o evangelho de Jesus Cristo é tudo, menos intolerante ou sectário. Por isso, o fato de os quatro jovens vândalos reconhecerem sua identidade em uma igreja que leva o nome “Geração Jesus Cristo” impressiona e escandaliza.

Se há coisa que nos ensina Jesus de Nazaré, o Cristo de Deus, é a inclusão de todos. O diferente, o excluído, o doente, o impuro, o pagão, o idólatra, todos, absolutamente todos, encontram cidadania e acolhida em sua pessoa e sua prática. O evangelho não relata um só episódio de Jesus em atitude excludente e intolerante com pessoas ou grupos devido à sua origem, seu credo religioso, sua filiação de qualquer tipo. Exceção feita aos desonestos e corruptos vendilhões do Templo, cujas bancadas derrubou sumariamente.

A reprovação de Jesus dirige-se apenas à atitude que contraria a ética, a postura e comportamento. Jamais à proveniência ou à pertença diferente da sua. É assim que o vemos dialogando com pagãos como o centurião romano e cedendo ao pedido para curar seu criado. Ou dialogando com prazer à beira do poço com uma mulher samaritana e adúltera. Ou pondo como exemplo da caridade e do amor ao próximo um samaritano considerado idólatra, e não o sacerdote e o levita que corriam para o lugar do culto, abandonando o ferido à beira do caminho.

No coração e no ministério de Jesus há lugar para todos, mesmo para os não-judeus. Os mais pecadores puderam encontrar carinho e acolhida em sua pessoa inocente e santa. Nunca houve na história da humanidade alguém tão distante da postura fanática que desqualifica as crenças alheias e comete violentas intolerâncias contra os que pensam, sentem e crêem diferentemente.

No evangelho de Marcos vemos um exemplo claro disso quando os discípulos, acossados pela tentação do fanatismo separatista, dizem: Mestre, vimos alguém, que não nos segue, expulsar demônios em teu nome, e lho proibimos. E a resposta de Jesus vem rápida e luminosa: Quem não é contra nós, é a nosso favor. Aí, nesta atitude, é que se encontra o verdadeiro espírito do que a Geração Jesus Cristo é chamada a ser.

* Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).

Um Comentário

  1. Tatiana Capille Salles
    fev 20, 2009 @ 09:25:00

    É realmente uma tristeza que as pessoas não respeitem a diversidade religiosa …

    Nós, que somos católicos, mas que temos a consciência do respeito, precisamos fazer o possível para despertar em nossos familiares, amigos, filhos e companheiros de comunidade a necessidade de uma visão em prol da construção de uma sociedade mais fraterna, que perceba as diferenças sem preconceitos.

    A grande maioria dos povos , desde os primórdios, professa alguma crença religiosa e infelizmente, a religião continua a promover diversos movimentos humanos, guerras, maus tratos,atos de violência e de fanatismo .

    Inclusão e valorização da identidade cultural é um tema que tem sido abordado com freqüência, talvez justamente por estes episódios de intolerância e preconceito, entre eles, o religioso, claro.

    Em se tratando de Brasil, que é um país tão grande e com enorme diversidade cultural , nos relacionamos, no dia a dia, com pessoas de crenças e religiões diversas, no trabalho, na escola, na vizinhança, e como bons cidadãos e bons cristãos, temos que respeitar e entender a expressão religiosa de cada um.

    Paz e amor para todos os povos !

    Tatiana Jurkstas Capille Salles