Medo de Jesus – comentário do Evangelho

José Antonio Pagola

O episódio conhecido como “a transfiguração de Jesus” conclui-se de uma forma inesperada. Uma voz vinda do alto surpreende os discípulos: “Este é o Meu Filho amado”: o que tem o rosto transfigurado. “Escutai-O”. Não a Moisés, o legislador. Não a Elias, o profeta. Escutai a Jesus. Só a Ele.

“Ao ouvir isto, os discípulos caem de bruços, cheios de espanto”. Aterrorizam-se da presença próxima do mistério de Deus, mas também o medo de viver daí em diante escutando apenas a Jesus. O episódio é insólito: os discípulos preferidos de Jesus caídos por terra, cheios de medo, sem atrever-se a reagirem ante a voz de Deus.

A atuação de Jesus é comovedora: “Aproxima-se” para que sintam a Sua presença amistosa. “Toca-lhes para infundir-lhes força e confiança. E diz-lhes umas palavras inesquecíveis: “Levantai-vos. Não temais”. Ponham-se de pé e segui-me. Não tenhais medo a viver escutando-Me. É difícil ocultá-lo. Na Igreja temos medo de escutar Jesus. Um medo soterrado que nos está a paralisar até nos impedir de viver hoje com paz, confiança e audácia atrás dos passos de Jesus, Nosso único Senhor.

Temos medo da inovação, mas não do imobilismo que nos está afastando cada vez mais dos homens e mulheres de hoje. Diria-se que o único que temos de fazer nestes tempos de profundas mudanças é conservar e repetir o passado. Que há por detrás deste medo? Fidelidade a Jesus ou medo de por em “odres novos” o “vinho novo” do Evangelho?

Temos medo de umas celebrações mais vivas, criativas e expressivas da fé dos crentes de hoje, mas preocupa-nos menos o tédio generalizado de tantos cristãos bons que não podem sintonizar nem vibrar com o que ali se está celebrando. Somos mais fiéis a Jesus urgindo minuciosamente as normas litúrgicas, ou nos dá medo “fazer memória” d’Ele celebrando a nossa fé com mais verdade e criatividade?

Temos medo da liberdade dos crentes. Inquieta-nos que o povo de Deus recupere a palavra e diga em voz alta as suas aspirações, ou que os laicos assumam a sua responsabilidade escutando a voz da sua consciência. Em alguns cresce o receio ante religiosos e religiosas que procuram ser fiéis ao carisma profético que receberam de Deus. Temos medo de escutar o que o Espírito pode estar a dizer às nossas igrejas? Não tememos apagar o Espírito no povo de Deus?

No meio da sua Igreja Jesus continua vivo, mas necessitamos sentir com mais fé a sua presença e escutar com menos medo as suas palavras: “Levantai-vos. Não tenhais medo”.