Mons. Romero: Impossível não recordá-lo

Ricardo Zúniga García

Tradução: Adital

Simplesmente é impossível não recordá-lo. Para os que tentávamos viver nossa fé cristã construindo o processo histórico da revolução nicaraguense, e para outros irmãos que faziam o mesmo na Guatemala ou em grupos de solidariedade com os processos de transformação centroamericanos, a figura de Mons. Romero significa vida, esperança, compromisso.

Recordo como se fosse hoje, na Plaza de la Revolución, em frente da antiga Catedral de Manágua, lotada de povo cristão e revolucionário, comovido, consternado ante o assassinato de Mons. Romero. Ao concluir a missa campal que o Arcebispo Mons. Obando havia celebrado como uma missa de defuntos, o padre Miguel D’Escoto tomou o microfone para dizer: ‘esta não é uma simples missa de defuntos; estamos celebrando o martírio do Bispo Oscar Romero, exemplo de compromisso cristão com a vida de seu povo. Exemplo e inspiração para o povo de Nicarágua, para os povos da América Central’. Com essas palavras e outras semelhantes, a multidão que ali nos havíamos convocado sentiu que seus sentimentos tinham sido expressados; iniciamos um caminho, que ainda continua, de aprendizagem do Evangelho de Jesus, relido por Romero com uma grande concretude.

Ninguém como ele, mesmo sendo um bispo formado nos esquemas anteriores ao Concílio Vaticano II, falou com tanta clareza sobre o que significa ser cristão, seguir a Jesus, ser solidário com os irmãos, empenhar-se pelo Reinado de Deus e por sua justiça. Romero falou com extraordinária clareza sobre a missão da Igreja, sobre a opção pelos pobres, sobre a autonomia das lutas políticas e sobre a necessidade de que os povos se organizem social e politicamente em torno de suas necessidades e interesses dos pobres, iluminados pelo testemunho de Jesus.

O mês e a data de seu martírio e ressurreição são muito significativos para outros povos da América Latina. No dia 2 de março de 1980 foi assassinado na Bolívia pelo regime militar o Padre Luiz Espinal Camp, sacerdote e jornalista, com clara opção pelos pobres. Na mesma data do martírio de Romero, porém quatro anos antes (1976), o povo argentino sofreu um golpe de Estado que instaurou um regime sangrento que produziu o desaparecimento de mais de 30 mil pessoas e o assassinato de líderes sociais e religiosos, entre eles o de Mons. Enrique Angelelli e a comunidade dos padres palotinos.

Hoje, graças a Deus, a milhares de profetas como Mons. Romero e de líderes populares, a repressão, a morte e o assassinato dos militantes pobres deixou de ser a prática cotidiana na maioria dos países da América Latina. Em muitos países os povos vivem com esperanças. Na Nicarágua, por exemplo, com a ajuda dos países da Alba, vários Departamentos estão sendo declarados ‘livres do analfabetismo’, para culminar declarando a Nicarágua inteira livre do analfabetismo no próximo 19 de julho, quando se celebra o 30º Aniversário do triunfo da Revolução. Também funciona o Programa Fome Zero e há créditos accessíveis para os pequenos produtores. Em El Salvador, por outro lado, inaugura-se uma nova etapa, e o presidente eleito declarou que esta se inspirará nos ensinamentos de Romero; é uma etapa que desperta entusiasmo e solidariedade em muitos países da América Latina.

Nos alegramos que a semente semeada na terra -o testemunho de Romero- hoje esteja colhendo frutos que devem continuar a melhorar a América Central e toda a América Latina e Caribe.