O Honroso Último Lugar de Jesus

Pe Tarcisio Marques Mesquita

Estamos em tempos modernos. Numa vida contemporânea cheia de vícios do passado, sob o risco do culto ao capital, há quem queira esquecer os lenhos da manjedoura e da cruz. Neste mundo mercadológico competitivo, as relações humanas se contagiam pelo afã do ”vencer”. Parece que ninguém admite ser colocado em lugar que não seja o primeiro. Em muitas competições, times de futebol, torcedores, atletas e estudantes choram, brigam e se deprimem quando se tornam ocupantes de um “vergonhoso segundo lugar”. Pode-se, com isso, imaginar a dor e o sentimento avassalador de derrota dos eventuais ocupantes dos últimos lugares.

Esse clima doentio de busca pelo primeiro lugar atinge numerosas áreas do viver humano: o trânsito pela cidade, o posto no local de trabalho, os propalados best-sellers do mercado editorial e fonográfico, a vida política e até mesmo a vida religiosa. Surge a impressão que ninguém quer ser preterido nem mesmo que seja para o “desonroso segundo lugar”. Nesse aspecto, o mundo midiático, controlado pelas forças privatizadas do capital e da religiosidade do capital, torna movimentos religiosos recentes vertentes de verdadeiras enchentes de pessoas que desejam que as forças divinas as coloquem, como num passe de mágica, de milagres a granel, em imediatos primeiros lugares no que se refere à saúde, finanças, bens materiais e outros mais privilégios que um ser humano possa imaginar.

Na esfera do desmesurado desejo pela vantagem, não é mais incomum ver pessoas se pisando, ofendendo-se, ferindo-se, odiando-se e matando-se por toda parte, até mesmo se for para fazer valer suas convicções religiosas, políticas, esportivas, raciais ou econômicas.

Nem mesmo o nome e a vida de Jesus têm sido poupados da barbárie da luta sangrenta pelo primeiro lugar. Igrejas de muitos “bispos”, “bispas”, “apóstolos”, “pastores”, “pastoras”, “servos” e “obreiros”, de trajes suntuosos e jóias preciosas, mansões, haras e empresas de fachada, afirmam insistentemente: “Em Jesus, somos mais que vencedores!”. Vencedores em campos que Jesus historicamente jamais demonstrou colocar seu interesse. Vencedores exatamente nos meios dos quais surgiram os que tramaram a condenação e morte dele. Hoje, usa-se do artifício da fé para que se realize “em nome de Jesus” o que ele especificamente quis denunciar e combater.

No desvario injustamente denominado cristão, não tem valido tanto admirar a simplicidade do Deus nato na manjedoura do estábulo em Belém, que se tornou lugar improvisado para os que não têm lugar. Ultimamente, não tem sido importante recordar que Jesus se entregou à luz sendo depositado no lenho da manjedoura, prenunciando, dessa forma, sua entrega, como luz, no lenho de sua cruz. Ele, envolto em trapos, deitado no coxo construído para que os animais se alimentassem, finalizaria seus dias na cruz que lhe preparam. Essa mesma cruz serviria para que, em contemplação, seus discípulos pudessem se alimentar da sublime confiança de se despojarem como ele, neste último lugar, a fim de que haja um lugar honroso para todos aqui e nos céus.

Jesus, sábio como sempre foi, tinha consciência do surgimento de falsos profetas e pastores. Agora, devemos saber que também criaram falsos natais; sugiram festas natalinas sem Jesus. Muitos já não voltam seus olhares para o presépio porque enchem suas mentes pela ansiedade de ter e consumir. Hoje, nos shoppings feitos como templos e nos templos feitos como shoppings, o mau natal nasce da má fé dos que se apoderam dos iludidos pelas contestáveis ofertas de soluções miraculosas de problemas, cujas soluções, de fato, somente existirão com a mobilização fraterna. Neste tempo de Natal, em tempos onde até a fé se comercializa, basta-nos a chance de olhar para os últimos e observar o modo, as opções e formas como Deus decidiu nascer e habitar entre nós.

3 Comentários

  1. liliana
    dez 03, 2009 @ 18:21:30

    tudo o que o Pe.Tarcisio narrou é a nossa triste realidade.Que Jesus nos ajude para que sejamos melhores , como filhos amados de Deus

  2. teresa norma
    dez 04, 2009 @ 20:11:01

    Obrigada Pde Tarcisio pela reflexao
    obs: Senti perder sua aula na segunda-passada mas o trabalho tem sido até tarde quase todos os dias

  3. Octavio L. F. Leo
    dez 06, 2009 @ 20:22:50

    Pe. Tarcisio. Parabéns e obrigado pela reflexão. Nestes dias agitados que vivemos onde o ter é mais importante que o ser,megulhar num texto tão autentico e espiritual nos fortalece e nos anima à lutarmos por uma mudança em nossas vidas.
    Suas aulas no curso de Teologia são maravilhosas e uma pena que amanhã finalizaremos o ano.