O tamanho da crise

Dom Demétrio Valentini

Na semana passada, o Governo Lula convocou o seu Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Desta vez em formato ampliado, como “Seminário Internacional sobre Desenvolvimento”. Na verdade, este formato era para calibrar a mira em direção ao problema que a todos preocupa, a crise mundial que está se alastrando por toda parte.

A intenção do Governo, com esta iniciativa, era evidente: convocar a todos para o enfrentamento da crise, alertando para a sua gravidade, e procurando condividir responsabilidades.

Algumas evidências precisam ser levadas em conta, para perceber as conseqüências inevitáveis da crise, e para ter diante delas um posicionamento esclarecido.

A primeira delas é o alastramento da crise. Ela começou nos países centrais do sistema econômico mundial, dando logo sinais de sua profundidade, e de sua expansão inexorável. Agora já ninguém mais tem dúvida que a crise já está mostrando seus efeitos em todos os países, no Brasil também, trazendo dificuldades, que precisam ser levadas em conta.

Outro aspecto foi emergindo com crescente clareza durante o Seminário. É o tamanho da crise. Suas dimensões a tornam muito séria e profunda.

Ela começou como crise financeira, levando muitas instituições à falência.

Em seguida veio a dimensão econômica. A crise está abalando seriamente a economia mundial, com evidentes reflexos em todos os países, dada a dimensão global da economia.

Ela se revela uma crise de profundas repercussões sociais, com milhões de postos de trabalho sumindo.

A isto se acrescente a dimensão ambiental, que aponta para o esgotamento do modelo de desenvolvimento baseado na depredação ilimitada da natureza.

E não pára aí. A constatação mais séria é que estamos numa crise civilizacional, que mostra a urgência de repensar o sentido da presença e da atuação da humanidade em nosso planeta.

Olhando a crise como oportunidade, ela descortina tarefas muito grandes, para repensarmos uma organização solidária de um novo modelo de desenvolvimento, compatível com os limites de nosso planeta, e pensado em função da vida de todos. Isto não se faz em poucos anos.

A crise mostrou outra evidência, que muitos não querem engolir em seco. Fracassou redondamente o sistema neoliberal, que professava sua crença no mercado, de tal modo que ele seria capaz de se autoregular. É que o próprio sistema financeiro poderia ser tranquilamente deixado à sua dinâmica, que ele mesmo corrigiria eventuais desvios que pudessem aparecer. E o Estado deveria ir se retirando da economia, que deveria ser deixada para a iniciativa privada, que assim seria melhor para todos!

Ledo engano. Fracassou este neoliberalismo. Estranha que este fracasso não seja agora publicamente reconhecido. Na queda do muro de Berlim todos proclamaram o fracasso do socialismo histórico, sendo-lhe passado solenemente o atestado de óbito. Agora parece haver um silencioso acanhamento em proclamar que a via do neoliberalismo também fracassou.

Deste fracasso é preciso tirar duas lições. Em primeiro lugar, nunca devemos abdicar de nossas responsabilidades, deixando-as na mão de qualquer “sistema”. Ao agir na economia, necessitamos de critérios éticos, que mantenham a economia dentro de suas verdadeiras finalidades evitando desvios que acabam trazendo grandes prejuízos.

Em segundo lugar, o Estado precisa reassumir sua função de regular o sistema econômico e financeiro, através de instituições adequadas, que aos poucos servem de instrumentos para implantar com urgência uma governança mundial. Precisamos de governo, tanto no interior de cada país, como no conjunto da situação mundial.

Estamos dentro de uma crise profunda. Ela pode se tornar oportunidade para resgatarmos muitos valores perdidos, na ingente tarefa de repensar em profundidade nossa própria civilização.