Os Ramos que antecedem a Paixão

Maria Clara Lucchetti Bingemer

Como muitas vezes na vida nos acontece, agora esta acontecendo com Jesus. A liturgia deste domingo que inicia oficialmente a celebração de seus últimos dias o mostra aclamado antes de ser crucificado. O povo o aclama como bendito, como aquele que vem em nome do Senhor. Colocam ramos à sua passagem como tapetes cobrindo o chão por onde passa o burrinho no qual está montado. E chamam Filho de David aquele que vem humilde e manso, revertendo as expectativas messiânicas do povo, que esperava um rei com glória e poder, chegando majestoso e com sinais de pompa. Jesus de Nazaré ao entrar em Jerusalém onde se dará o seu suplicio dentro de poucos dias é aclamado como o Messias esperado por Israel.

O conceito de Messias vem do judaísmo. Representa a esperança de Israel na vinda do enviado de Deus, quando a Aliança deste com o povo eleito chegará à sua plenitude e as promessas se cumprirão em toda a sua extensão. A idéia de Messias se liga à esperança de um mundo renovado por Deus, um mundo de justiça e paz, íntegro e redimido. O Messias é aquele que inaugura este novo tempo, o Reino de Deus entre os homens. Por isso a expectativa messiânica é uma idéia e uma esperança profundamente revolucionárias. É a afirmação de um futuro radicalmente distinto do passado. E é a negação de uma história cíclica condenada à repetição infindável de suas grandezas e misérias. Essa idéia, que fez a humanidade dar um verdadeiro salto qualitativo, foi fundamento de muitos movimentos libertários na história ocidental.

Nunca mais o mundo foi o mesmo depois que surgiu a fé no Messias.

Como dizia um sábio judeu: “Cada segundo é uma porta estreita por onde o Messias pode entrar”. Dentre todas as formas de expectativas e aspirações em torno à figura do Messias, há elementos comuns que permitem sintetizar a figura de um messias político do qual se esperava que devesse restaurar a glória do Império Davídico. No século I da nossa era, os judeus apegados à corrente que liderava o povo desde o tempo dos reis e dos profetas, esperavam um Messias filho de Davi que realizasse, em primeiro lugar, a sua libertação política, e vencesse (ou até exterminasse!) as potências pagãs, estabelecendo em Israel uma ordem social justa e conforme as exigências da Tora. Ele restituiria ao Estado judeu o brilho perdido há muito tempo, asseguraria um reconhecimento universal do Deus único, permitiria a irradiação do Templo em que todas as comunidades dispersas viriam em peregrinações regulares até a sede do Judaísmo oficial. Em suma, o Messias seria aquele que conduziria ao seu coroamento a obra dos grandes reis de outrora. Esse sonho aparecia no horizonte desde o momento em que era pronunciado o nome do Messias. Certamente ele está subordinado ao tema muito mais fundamental do Reino de Deus, ele mesmo ligado à observância da Torah. Mas ele não é independente desse tema: é até a condição indispensável dele. Assim a esperança conserva uma dimensão de nacionalismo religioso, dimensão esta que até hoje não foi posta em questão por nada: o povo, a terra, o Templo, o culto, são aspectos indispensáveis da salvação esperada; a ‘redenção de Israel’ passa necessariamente por eles.

Jesus, porém experimentou sua autoconsciência messiânica não em termos de um messianismo régio ou monárquico ou mesmo de uma condição de ser pré-existente, mas de um chamado divino ao qual ele deu resposta de plena e total obediência filial. O que caracteriza, portanto o messianismo de Jesus é o fato de sentir-se eleito e enviado para realizar uma missão divina particular e obedecer estritamente ao chamado de Deus. Nesse sentido as ações e o ensinamento de Jesus mostram que ele se autocompreendia dentro de uma relação marcante com Deus seu Pai e investido de uma missão especial. O sofrimento e a morte, do mesmo modo que a esperança na ressurreição foram assumidos como decorrência da obediência irrestrita à vontade do Pai. Essa vontade, necessariamente, contrariava a vontade daqueles que não aceitavam o messianismo de Jesus e sua ação libertadora.

Entrando em Jerusalém humildemente montado em um jumentinho, Jesus mostra que seu messianismo está relacionado com o serviço a Deus e não é monárquico e triunfal. Do ponto de vista político, Jesus será rejeitado justamente pelas autoridades formadas pelos anciãos, sacerdotes e escribas, representantes das principais correntes do Sinédrio. São esses que o condenarão. O sonho de glória dos discípulos que esperavam participar de um poder terreno de Jesus, é transtornado e frustrado pela realidade do sofrimento de Jesus.

O itinerário de Jesus contém a resposta sobre a identidade de seu messianismo. Apoiando-se sobre a promessa de Deus, e não sobre as expectativas humanas, ele quis ir ao encontro do ser humano naquilo que este tem de mais verdadeiro e fundamental: sua liberdade e responsabilidade. Jesus mostra por sua vida qual é a prática que convém pôr em marcha para significar a concretização do projeto do Reino de justiça e para que o verdadeiro Deus seja adorado. O amor e o serviço vão juntos com o reconhecimento de Deus que é amor.

A fecundidade histórica do messianismo de Jesus não será, portanto, fruto do poder, mas do serviço mais humilde, que começa a partir de baixo, resgatando a todos a partir dos mais pobres, oprimidos e diminuídos da sociedade. O caminho de Jesus de Nazaré, reconhecido e proclamado Messias de Deus, irá em curva descendente, sempre para baixo até desembocar na morte. Será um caminho difícil e doloroso.

Deverá fazer-se entre a recusa de uma salvação que poderia ser fuga das realidades deste mundo em nome de uma espiritualidade desencarnada e a recusa de uma salvação que prefere ao perdão e à misericórdia gratuita e sem limites a violência dominadora. Eis por que as testemunhas desta salvação trazida por Jesus, homem que vem de Deus, são não os poderosos, mas os pequenos e rejeitados, os marginalizados de toda sorte.

Esta é a lógica de Deus que Jesus de Nazaré assumiu e revelou em toda plenitude. Para revelar uma reconciliação universal, era necessário começar a situar seus sinais a partir dos excluídos.

Não é nem seria possível haver excluídos à mesa de Jesus porque seus anfitriões são justamente os excluídos. Jesus revela em sua pessoa e em sua prática que a salvação de Deus é recusa de poder e de violência que rejeita e mata. E é por isso que as vítimas de toda sorte e os pobres é que lhe vão à frente e preparam seu caminho.

O profeta que entra em Jerusalém aclamado pelo povo entende sua missão messiânica como serviço ate o fim. Jesus Cristo, que será depois exaltado como Senhor à direita de Deus Pai, é inseparavelmente o servo que se esvazia das prerrogativas gloriosas de sua condição divina, para entrar num caminho de obediência que o levará até o sacrifício da cruz. É este o mistério que celebramos no Domingo de Ramos.