Perder a cabeça…

“Perder a cabeça e não a dignidade” foi o que norteou São Thomas More, célebre humanista inglês, lorde chanceler do rei Henrique VIII. São Thomas More esteve encarcerado entre 17 de abril de 1534 e 6 de julho de 1535, acusado de conspirar contra o rei e executado por decapitação.

O mártir inglês perdeu a cabeça e não a dignidade, mantendo-se fiel à sua consciência e aos seus princípios. Erudito e literato de primeira grandeza, é considerado o melhor prosador da Inglaterra em língua latina e o fundador da literatura inglesa moderna.

Estadista no sentido mais autêntico da expressão, tornou-se conhecido e famoso por sua prudência e integridade. A sua obra mais conhecida, a “Utopia”, é a imagem do Estado ideal, segundo a razão humana, que contrastava com a realidade dos reinos do seu tempo e de agora.

Thomas More esteve por quatro anos como hóspede na Cartuxa de Londres, ordem conhecida por sua severidade e exigência, onde aprofundou o conhecimento da doutrina cristã e onde também reconheceu que sua vocação não era a vida monástica. Passou a viver como advogado, casando-se com Joan Colt, com quem teve quatro filhos: Margareth, Elizabeth, Cecily e John.

Advogado brilhante, desempenhou cargos públicos e participou de missões diplomáticas e comerciais na Europa, onde estabeleceu laços de amizade com os maiores intelectuais de seu tempo, como Erasmo de Rotterdam. A sua esposa Joan faleceu em 1511, deixando os filhos pequenos e Thomas More, viúvo, casou-se com Alice Middleton, cuidadosa mãe e administradora do lar.

A escola que Thomas More montou em sua própria casa, fato inusitado, permitia dar às suas filhas e aos filhos dos criados a mesma educação que dava ao seu filho homem. O seu cuidado com a educação cristã era detalhado, proporcionando momentos de oração com toda a família e com os empregados, com grande freqüência e piedade.

A sua dedicação e competência o levaram ao cargo de Chanceler, que equivalia ao de juiz supremo. O seu empenho foi tanto que resolveu dar andamento a todos os processos que se acumularam durante anos, para tornar a justiça acessível aos desvalidos, recebendo até em sua casa quem tivesse alguma queixa.

A tirania de Henrique VIII, suas manobras políticas para conseguir o que queria, desde tráfico de influência até perseguições e morte, levaram o chanceler More a renunciar ao cargo. As práticas do rei para conseguir o que queria a qualquer preço, como a anulação de seu casamento com Catarina de Aragão, para casar-se com Ana Bolena, o levaram a declarar-se Chefe Supremo da Igreja na Inglaterra. Os que discordavam e se negavam a assinar o documento de submissão total tinham os bens confiscados e eram condenados à morte, como o bispo de Rochester, São John Fisher.

O ex-chanceler, com 54 anos, sabia que a discordância se tornaria resistência e o jogaria em terríveis dificuldades e perseguições. Armadilhas muito bem arquitetadas e ardilosas tentaram envolvê-lo a todo custo, mas não conseguiam demover o homem que, pela liberdade de consciência, não teve medo de enfrentar a morte.

Comovente é sua meditação espiritual escrita na Torre de Londres, na prisão: “Dai-me a vossa graça, meu senhor, para ter o mundo em nada. Para ter minha mente bem unida a Vóz e não depender das censuras dos outros. Para que pense em Deus com alegria e implore ternamente sua ajuda. Para que me apóie na fortaleza de Deus e me esforce com denodo por amá-lo. Para que conheça minha própria miséria e vileza, para que me humilhe sob a mão poderosa de Deus. Para percorrer a senda estreita que conduz à vida. Para levar a cruz com Cristo. Para pedir perdão antes que o Juiz chegue. Para ter sempre presente a paixão que Cristo sofreu por mim. Para ganhar Cristo e para isso ter em nada de nada, a perda da fortuna, dos amigos, da liberdade, da vida e de tudo. Para ter os meus piores inimigos como meus melhores amigos…”

Na canonização de Thomas More e John Fisher, o papa Pio XI os comparou a “grandes faróis erguidos para brilhar e iluminar os caminhos de Deus”. Toda essa história se torna ainda mais dramática pois o papa João Paulo II declarou São Thomas More padroeiro da classe política, que na maior parte das vezes prefere não perder a cabeça e sim a dignidade!