Plebiscito: Resgate da dívida social e construção do desenvolvimento sustentável

Leia a carta do Conselho Nacional do Laicato do Brasil – Regional Sul I sobre o Plebiscito pelo Limite da Propriedade da Terra:

“Quem diz ‘Deus’ está dizendo ao mesmo tempo: justiça e amor!”
Dom Pedro Casaldáliga

É semana da Pátria! Não por acaso, e repleto de simbolismo, dos dias 01 a 07 de setembro, realiza-se no Brasil o Plebiscito Popular pelo Limite de Propriedade da Terra, em defesa da Reforma Agrária e da soberania territorial e alimentar de nosso país. Terra é interpretada de diferentes formas nas diferentes culturas e ciências. É mãe, é oikos, é elemento da natureza, é casa, é Gaia, é vontade que emana do coração de Deus! Explosão que se cria e evolui…Parece que num ponto todas convergem: é lugar sagrado! “Tira as sandálias, pois o lugar onde pisa é sagrado!”

Nesse lugar, o homem faz sua morada. Cultiva o jardim! Espera e corre, entristece e se alegra, trabalha e descansa, briga e festeja, vive e convive. É lugar comum. É casa de todos, segundo as diferentes tradições.

No processo de desenvolvimento, a terra é cercada, transforma-se em mercadoria, num processo de acumulação. Expropriam-se trabalhadores do campo, formando um exército industrial de reserva nas cidades. No Brasil, o processo de industrialização tardio e dependente causa um fantástico e assustador êxodo rural, sobretudo a partir dos anos 60, inchando as cidades, formando favelas, perpetuando um paradigma civilizacional dos sem teto, sem terra, sem renda, dos sem nada…de um dos lados, certamente.

É semana da Pátria! Momento singular para pensar um projeto de nação, sustentável, em que a propriedade da terra existe e só tem sentido para gerar o bem estar de cada um e de todos. Muitos dos países desenvolvidos tiveram seus projetos de nação pautados pela reforma agrária e delimitação do limite máximo de propriedade. Isto não é e não foi algo adotado em países de cunho socialista, apenas. Os EUA, França, Italia etc adotaram medidas assim. Assim, foi (e é!) uma necessidade para o próprio desenvolvimento do sistema capitalista de produção.

No Brasil, entretanto, a terra tem sido vista como sinÿnimo de poder (consultem os livros de história!). Ela é tomada dos povos indígenas, dividida em capitanias hereditárias e a elas são designados donatários (donos). Os herdeiros das mesmas foram adquirindo as terras de seus pais. Outros a compraram, dentro da lógica da acumulação e poder. Conclusão: concentra-se a terra e se gera um processo de estrangulamento econÿmico, pois a falta de renda para a grande maioria e a concentração na mão de poucos, trazidas substancialmente pela concentração fundiária, traduz-se numa não realização do capital na sociedade e a geração de um sistema econÿmico em crise.

O economista Ignácio Rangel diria que a terra é por excelência o impasse ou a possibilidade para o desenvolvimento no Brasil, na medida em que a reforma agrária (realizada como prioridade em países desenvolvidos) gera renda na mão das famílias, maior consumo na sociedade, aumento da produção, mais contratações e aumento geral da renda, num multiplicador keynesiano. Entre algumas experiências, o exemplo do desenvolvimento da cidade de Promissão, a partir do processo de reforma agrária, comprova a teoria de Rangel. Existe uma Promissão antes e depois da Reforma agrária. O muito na mão de poucos, não cultivado, tornou-se pouco na mão de muitos, cultivável, rentável e extremamente produtor de alimentos, que hoje inclusive fornece recursos alimentares para se fazer a merenda em muitas escolas públicas de cidade s da região. Consultem e vejam!

Olhando os dados vemos que 1% dos estabelecimentos rurais, que tem área de mais 1 mil hectares, ocupam 44% de todas as terras, enquanto praticamente 50% dos estabelecimentos (que possuem menos de 10 hectares), ocupam somente, 2,36% da área do país. O Censo do IBGE de 2006 mostra que 84% dos estabelecimentos de agricultura familiar são os grandes responsáveis pelo emprego de 74% dos trabalhadores do campo. São esses também os grandes responsáveis pela produção de alimentos. O mesmo Censo mostra que em 2006, os 16% maiores proprietários de terra possuíam uma área do tamanho das Regiões Sudeste e Nordeste juntas. É a insustentabilidade do sistema econÿmico!

É semana da Pátria! A Constituição Federal prevê a possibilidade de participação popular na elaboração de leis e emendas, com abaixo-assinados e plebiscitos. Neste sentido, um Plebiscito pelo Limite da Propriedade da Terra e um Abaixo-assinado estão sendo realizados nessa semana. O Plebiscito, que pode ser organizado em qualquer comunidade, com apresentação de documento, e respeitadas normas, possui duas perguntas: 1) Você concorda que as grandes propriedades de terra no Brasil devem ter um limite máximo de tamanho? 2) Você concorda que o limite das grandes propriedades de terra no Brasil possibilita aumentar a produção de alimentos saudáveis e melhorar as condições de vida no campo e na cidade? A essas perguntas, responde-se com um sim ou não. Paralelamente a isso, um abaixo-assinado que prevê um PEC (Programa de Emenda Constitucional) que insere o inciso 5, sobre a função social da terra, no artigo 186 da Constituição, está sendo organizado. Após a realização do plebiscito e abaixo-assinado, estes são enviados ao Congresso Nacional.

Quando se fala em limite máximo da propriedade, a isso não correspondem faixas de terra pequenas, médias e até grandes. Significa sim uma indignação diante de propriedades muito grandes e latifúndios. O governo federal considera que um módulo fiscal é considerado o mínimo necessário para garantir a subsistência de uma família na agricultura. Até 5 módulos temos uma propriedade familiar e até 15 módulos uma propriedade de tamanho médio. A partir daí, grandes propriedades. Uma das propostas apresentadas, pra ser discutida no Congresso Nacional, é que o limite máximo de propriedade seja de 25 módulos. O que passar disso será incorporado ao patrimÿnio público. O Plebiscito e abaixo assinado querem manifestar, na semana da Pátria, que a participação popular se faz nece ssária para a construção de nosso projeto de nação.

De fato, um novo paradigma se coloca, onde a participação popular é pré-requisito para o desenvolvimento de nosso país como nação. Não é possível um continuísmo que reproduz na essência o sistema de capitanias hereditárias, onde terra é poder. Terra é casa para produzir! Terra é casa que precisa ser cuidada! E os dados econÿmicos nos mostram que a agricultura familiar e a pequena propriedade produzem no conjunto muito mais que os grandes latifúndios (em grande parte, improdutivos). Do ponto de vista ambiental, a propriedade familiar é sustentável, na medida em que traz a possibilidade de rotatividade de culturas e cuidado para com a mãe-terra.

É semana da pátria! Neste sentido, o plebiscito pelo limite da propriedade e o abaixo-assinado a ele correlato que esta semana estão sendo mobilizados por várias frentes, inclusive com o apoio de organismos eclesiais, como nós, CONSELHO NACIONAL DO LAICATO DO BRASIL REGIONAL SUL I, é caminho para a sustentabilidade de nosso país e a construção de um projeto de nação, onde a dignidade de todos, e não de alguns apenas, é respeitada.

Celso Furtado lembra que “o desafio que se coloca no umbral do século XXI é nada menos do que mudar o curso da civilização, deslocar seu eixo da lógica dos meios a serviço da acumulação num curto horizonte de tempo para uma lógica dos fins em função do bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos”.

Precisamos de um novo paradigma civilizatório, pois o atual chegou ao seu fim e exauriu as possibilidades. A partir da Campanha da Fraternidade de 2010, Economia e Vida, refletimos isso. Um consenso sobre novos valores, que incorporem o humano e o ambiente, é necessário para cuidar de Gaia, do oikos, da terra, consenso esse capaz de resgatar o binÿmio terra-humanidade, numa relação de complementaridade: a vida em primeiro lugar! Vida de todos os homens, vida do planeta, vida da terra…pra sempre, para a edificação de uma Civilização do amor!

Conclamamos a todos os cristãos e cristãs para que se empenhem em suas Comunidades e Paróquias, Comunidades Eclesiais de Base e Comunidades de vida, Pastorais, Movimentos e Associações Laicais, em coletar assinaturas para o abaixo-assinado e mobilizar o Plebiscito. “Tirem as sandálias, pois o lugar onde pisam é sagrado!”

Luis Antonio Ferreira
Presidente do CNLB Sul I

Alex de Souza Rossi
Secretário Geral do CNLB Sul I