Santa Catarina

Dom Demétrio Valentini *

Adital – As imagens das enchentes em Santa Catarina se fixaram em nossas retinas, e continuam interpelando nossa solidariedade.
Ainda é cedo para balanços definitivos. Até porque as conseqüências desta inesperada calamidade ainda continuarão se desdobrando de diversas maneiras. E o momento ainda requer prioridade absoluta para o possível socorro que possa ser dado à população atingida de maneira tão dura por esta catástrofe.

Uma constatação conforta: a solidariedade de todos, tanto de perto como de longe, se agigantou diante do tamanho do desastre que atingiu a população catarinense. Claro que isto acarreta o desafio de canalizar o mais rápido possível o fruto desta solidariedade, para que chegue sobretudo aos que mais foram penalizados.

Permanece a dor maior, e irreparável, da perda de vidas humanas. Diante desta dor, sabemos bem, a atitude mais conveniente é o silêncio e o respeito, sobretudo na presença de quem chora os familiares e amigos falecidos.

Enquanto isto, perguntas vão surgindo, inundando nosso espírito com interrogações que a seu tempo precisarão ser respondidas de maneira adequada.

Uma delas é de ordem ecológica, e nos faz perguntar se esta é a medida das reações provocadas pelo desequilíbrio ambiental. Se assim é, o que será que nos aguarda daqui para a frente? E que providências indispensáveis precisaríamos tomar, se este fenômeno de todo inesperado é uma advertência da natureza tão maltratada por nossa intervenção humana.

Outra evidência que emerge desta calamidade é de ordem administrativa. E nos faz perguntar pelo tamanho da responsabilidade que pesa sobre todos os administradores públicos, tanto os incumbidos de planejar, como de executar ou fiscalizar os planejamentos urbanos.

A situação vivida em Santa Catarina merece ser colocada diante da consciência política de todos os cidadãos. Para que assim se crie aos poucos uma visão muito mais comprometida com a segurança coletiva de todos, baseada na implementação de uma adequada infra-estrutura, que esteja de acordo em primeiro lugar com as condições ambientais, e tenha a suficiente consistência estrutural.

Muitas vezes é mais fácil, e mais popular, enfeitar as cidades com maquiagens do embelezamento superficial, do que garantir os investimentos necessários para a infra-estrutura que procure maior segurança efetiva para toda a população.

Enquanto ainda estamos empenhados em fazer chegar aos nossos irmãos catarinenses a ajuda emergencial que está ao nosso alcance, e a energia de nossa solidariedade humana, vamos colhendo desta inesperada situação as lições que pudermos assimilar.

A experiência da Cáritas nos alerta para outra constatação, que convém fazer logo: enquanto ainda todos nos sentimos ligados à emergência, a solidariedade toma forma concreta, e expressão fácil. Enquanto a situação continua sendo divulgada, os gestos fluem espontâneos. O mais difícil vem depois, no momento da reconstrução. Aí se requer providências mais duráveis, motivação mais consistente, trabalho mais capacitado, e recursos mais abundantes. Será necessário conjugar bem as responsabilidades estatais, com a indispensável participação da cidadania, sobretudo para tornar eficaz o desejo que todos temos de ver o quanto antes o povo de Santa Catarina retomar sua vida, com o dinamismo e a laboriosidade que o caracterizam.

Que o tamanho da calamidade seja superado pela grandeza da solidariedade que despertou em todo o país.

* Bispo de Jales, São Paulo.

Um Comentário

  1. Marcelo Tiago
    dez 17, 2008 @ 23:47:59

    Como sempre Dom Demétrio tem clareza política e lucidez social para ir muito além do que diz a grande imprensa! Não se trata apenas de um fenômeno natural.

    As catástrofes são antes de tudo um fenômeno econômico e social. Causado pela ganância da classe dominante em se apropriar dos recursos públicos e alocá-los apenas nas belas áreas centrais das cidades.

    Mas não será assim também em nossa São Paulo? Nossa catástrofe talvez seja bem mais invisível aos olhos da maioria. Mas ela ocorre quando os sem teto são expulsos de suas áreas de moradia. Quando as crianças são maltratadas pelo próprio poder público na periferia.Quando a preocupação é apenas e tão somente com o aparente, o cômodo, o luxo…

    Infelizmente, a maioria da população paulistana fez opções políticas nas últimas eleições que, a meu ver, só aumentam nossa hecatombe social> Mas diante da tristeza resta a esperança de que as pessoas ainda vão abrir os olhos para as causas reais de nosso probelams sociais!