Uma geração sem bússola?

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

Na sociedade contemporânea, será lícito falar de uma geração sem bússola? Limitando-nos ao Brasil, as opiniões se bifurcam e trifurcam. Alguns insistem, não sem um certo saudosismo, na distância que separa os anos de 1960-70-80, por uma parte, e os tempos atuais, por outra, para acentuar o confronto entre uma geração “engajada do ponto de vista eclesial, social e politico” e uma geração que “parece não querer nada com nada”. Naquelas décadas pretéritas, afirmam, alguns referenciais orientavam a práxis libertadora: o socialismo enquanto alternativa ao capitalismo, a Teologia da Libertação, a opção pelos pobres… Tudo isso resultando, concretamente, na organização dos movimentos sociais e populares, do sindicalismo combativo, da efervescência no meio estudantil, na formação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e Pastorais Sociais, bem como na defesa dos direitos humanos, particularmente dos indígenas, afro-brasileiros, mulheres… E ainda em uma atitude empenhativa seja por parte da Música Popular Brasileira (MPB) quanto por parte de não poucos intelectuais e acadêmicos de esquerda.

Outros tentam negar essa pretensa distância entre as gerações de ontem e de hoje. Segundo estes últimos, cada geração engendra seus próprios referenciais teóricos e suas formas de ação, suas práticas de incidência no meio em que vivem. Na verdade, dizem, são o contexto e os desafios históricos que mudam, obrigando as pessoas a buscarem novas formas de organização e de mobilização. Assim, a geração atual não seria menos empenhativa social e politicamente, mas engajada de uma outra maneira. A aparente inércia, apatia e falta de interesse pela rex publica, e por seus problemas em geral, podem ser lidas como atitude de rebeldia frente a uma politização e a um economicismo exacerbados nas décadas anteriores. O pêndulo socioeconômico e político foi levado a um tal extremo que, atualmente, tende ao pólo oposto de um comportamento light. Em uma palavra, a juventude estaria cansada do discurso politizante, mas, ao mesmo tempo, não se recusaria a oferecer suas forças, vitais e positivas, para o bem-estar da população e do país. O próprio “hedonismo”, como o denominam muitos, pode representar um “não” implícito ou explícito à mistura exagerada (ou confusa) entre política e vida cotidiana ou entre política e religião. O mesmo se pode dizer da letra e conteúdo das músicas preferidas pelo público: mais do que alienadas e sem nexo, parecem indicar uma saturação, banalização, diluindo-se num sentido fugaz, efêmero e evasivo.

Outros, ainda, trilham uma via intermediária entre  a geração de ontem e a de hoje, vale dizer, entre a defesa do engajamento e a negação do total descompromisso. Mudaram os ideais e valores, sem dúvida, mas o compromisso social hoje passa por novos canais, novos instrumentos e novas coordenadas históricas. Nota-se, isso sim, um acentuado descrédito quanto às instituições políticas, educacionais, religiosas e de parentesco (respectivamente, o partido, a escola, a Igreja, a família), mas não faltam ações individuais e/ou grupais que visem uma incidência transformadora na sociedade. Em outros termos, a sensibilidade e a solidariedade não estão mortas, mas requerem novos gestos e novos meios. Como prova disso, costumam ser apontadas as redes sociais da Internet, onde amizades e encontros virtuais não poucas vezes se concretizam em ações concretas em favor dos extratos sociais de baixa renda. A conclusão é que não se trata de apontar o dedo em riste contra uma “geração sem bússola”, e sim de perceber novos referenciais e novo entusiasmo que orientam práticas igualmente novas e primaveris. Sangue novo na práxis sociopolítico!

As estrelas podem ter-se apagado no céu e os marcos podem ter desaparecido da estrada – para usar a imagem de Simone de Beauvoir. O chão pode ter fugido debaixo dos pés: muitos adolescentes e jovens parecem, sim, um tanto quanto órfãos, perdidos e solitários, mas não lhes faltam energias e vontade para mudar a situação em que se encontra a sociedade atual. O que falta, por parte de boa parte dos representantes das gerações ditas “combativas”, é uma atitude de escuta, compreensão, confiança, simpatia, além de abertura de oportunidades… Tudo isso em uma parceria de mútua colaboração, onde jovens e adultos se dispõem a aprender, a crescer e a se enriquecerem uns com os outros.

Roma, Itália, 2 de junho de 2014