Festas juninas e o direito de sonhar

Marcelo Barros
Adital

Nesses dias, em todo o Brasil, principalmente no Nordeste, tanto na região rural, como nas cidades, o povo vive as festas juninas. Pessoas que no dia a dia não se articulam nem se organizam comunitariamente, nessa época do ano, se unem para dançar quadrilhas e dramatizações populares. A tradição liga essas festas a Santo Antônio, São João e São Pedro, mesmo se, em muitos lugares, há muito, os festejos são mais culturais e não religiosos. No Brasil, correspondem às festas de Inti Rami, celebração do sol que renasce, data do solstício do inverno, correspondente ao ano novo no hemisfério sul, comum em vários países andinos. Na maioria das culturas, a comemoração da mudança de ano se faz através de ritos que sinalizam a busca de renovação da vida. A chegada de um novo ano agrícola ou civil nos convida a retomar o espírito de criança que existe em todo ser humano. Tanto nos Andes, como nas festas juninas brasileiras, as pessoas se vestem de modo engraçado, voltam a brincar como quando eram jovens e se acendem fogueiras para iluminar o novo tempo. De mandioca ou de milho, alguns povos indígenas fazem uma bebida fermentada que, segundo antigas tradições, despertam nas pessoas os seus sonhos mais profundos.

Sonhar não quer dizer delirar ou fantasiar. Segundo C. G. Jung, “o sonho é um processo orientado para uma finalidade” A utopia pode deixar de significar o irreal e indicar a realização dos sonhos que a esperança e a união da gente tornam possíveis.

Sêneca, filósofo latino do primeiro século, dizia que “o vento sopra na direção daqueles que sabem em que direção andar”. Ninguém de nós acredita que apenas a consciência possa fazer mudar os ventos da história. Entretanto, quem sabe o que quer descobre como aproveitar o vento favorável. A sociedade que pensa o seu futuro se coloca em uma situação de melhor encontrar os meios para construí-lo adequadamente.

O pastor norte-americano Martin Luther King foi assassinado porque sonhou. O seu discurso “I have a dream” (Eu tive um sonho) desencadeou um movimento imenso de mudança social. Quando se rouba a possibilidade de sonhar, o econômico se reduz ao mercantil. A felicidade se reduz ao consumo. O cultural é restrito ao tecnológico, o social não tem vez e não há futuro possível.

“Só quem crê no futuro, planta árvores”, diz um provérbio popular. Atualmente, vigora em vários países da América Latina um processo social e político novo que chamamos de bolivarianismo. Fundamentado na radicalização de uma verdadeira democracia social, baseado no diálogo com as culturas ancestrais de nossos povos e na prioridade da educação aberta a todos os cidadãos, esse projeto teve de ser muito sonhado e desejado para se colocar em construção. A integração dos continentes em uma sociedade civil internacional, a superação da injustiça estrutural que ainda assola o mundo, assim como a possibilidade de uma humanidade em maior comunhão com a natureza são projetos que precisam ser desejados e sonhados, para que possam mobilizar as nossas energias e nossos esforços. Em um cárcere nazista, já consciente do dia de sua morte, Etty Hillesun, jovem judia de 28 anos, escrevia em seu diário: “Não posso deixar que roubem de mim a riqueza que me resta: o meu sonho é sempre poder sonhar”.

O sonho alimenta não a esperança passiva de quem cruza os braços à espera do futuro, mas a energia confiante de quem precisa acreditar no futuro para torná-lo presente. É importante que nossas festas juninas signifiquem não apenas um saudosismo da antiga roça que não existe mais, nem apenas brincadeiras que caricaturam a figura do caipira e sim esse ensaio de uma sociedade unida, alegre e disposta a sonhar e a lutar por seus sonhos. Então, sim o impossível se torna possível e o amanhã começa hoje.