Luzes de nova vida

Humberto Palma Orellana, sacerdote da Congregação dos Barnabitas

É evidente que basta acender uma vela para romper a escuridão, mas não podemos deduzir a mesma coisa quando se trata de acabar com a cegueira. Cristo é a luz que veio ao mundo, e carrega em si mesmo o poder para vencer, mas não do lado de fora, à margem da liberdade, mas sim no interior do homem, isto é, persuadindo e chamando num diálogo de liberdade que jamais termina, porque nossas sombras e cegueiras, isto é, os contextos de maldade e resistência ao bem mudam e evoluem conosco simultaneamente. A menos que queiramos ser cegos guiando outros cegos, é preciso reconhecer que o mal ao qual renunciamos na renovação das promessas batismais não é um conceito sem conteúdo; o mal tem face concreta, estende-se e atua no mundo. Quem quiser abraçar a luz e a nova vida em Cristo deve aprender a arte de reconhecer a escuridão presente, pois caso contrário não só correrá o risco de ser seduzido por ela, mas o que é pior- terminará acomodando o mal para que até pareça necessário.

Algumas das escuridões que atravessam o mundo e nosso continente latino-americano são antigas, e outra novas. Entre as primeiras descobrimos escondidas e sutis formas de racismo e xenofobia. Nos últimos tempos, o mundo tem conhecido fatos horríveis de assassinatos, humilhações e desprezo pelos seres humanos, preocupando-nos não só pela frieza e maquinação das pessoas que os praticam, mas também por sua freqüência. Tais fatos vêm questionar o suposto desenvolvimento e amadurecimento da humanidade. Faz muito tempo que deixamos de transitar em direção à consolidação de nações solidárias, fraternas e cívicas, como os fundadores das novas repúblicas sonharam alguma vez. É certo que atualmente estamos melhor que em décadas passadas e que nossa atual qualidade de vida não se compara com a de outrora. O problema é que o crescimento que atingimos nos tornou mais zelosos e desconfiados; tememos perder o que conseguimos e almejamos conquistar, ganhar e possuir sempre em maior quantidade. E isto, que poderia ser incentivo para um desenvolvimento melhor e mais humano, tornou-se uma justificativa perfeita para empurrar, perseguir e ferir todos os que se interpõem em nossa escalada para o sucesso. Em vez de construirmos a comunhão a partir da diversidade, olhamos com suspeita as pessoas que não pensam nem sentem como nós. Nós nos afastamos da oferta que Deus nos faz em seu Filho, e em vez de nos parecermos com Cristo nos parecemos mais com a figura do rico Epulón, que goza da excessiva fartura de sua mesa sem importar-lhe as misérias, padecidas pelo pobre Lázaro. Um desenvolvimento vivido assim não é humano, nem é a vontade de Deus.

Por outro lado, o antigo egoísmo também encontra modos elegantes de se manter vigente e crescer numa sociedade que deseja ser e estar cada vez mais conectada e em comunhão de matéria e espírito. Não fica totalmente claro como viver uma autêntica globalização sem que isso se traduza na festa favorita onde os grupos de poder aproveitam roubar e explodir os pobres, impondo suas culturas, critérios e políticas monetárias. A escandalosa crise econômica pela qual atravessa o mundo atual destaca o lado sinistro de um sistema carente de ética e sentido humano. Não só é contraditório, mas até insultante que no momento dos benefícios, lucro e consumo a economia seja uma questão privada, tornando-se uma questão coletiva no momento de procurar soluções. Desta forma, os pobres é que pagam o mais alto preço da crise, sem jamais ter sido parte de sua origem.

No plano mundial cresce a falta de sentido existencial e o temor de enfrentar um futuro incerto, acentuado quando constatamos o império de uma ética privada cuja medida do bem não é a justiça, nem a verdade, senão o proveito e o prazer pessoal. Vivemos num mundo que aprendeu a acomodar valores, leis e critérios segundo o contexto, a conveniência do mercado e os vaivéns do consumo. Tais experiências e sentimentos terminam engendrando condutas psicopatas, aumento de estresse, depressões e suicídios especialmente em países desenvolvidos; manifestando-se em maior delinqüência, drogas e violência sobretudo na população mais jovem, somando, além disso, qualquer tipo de encontros e atos tão temerários como hedonistas. Na base deste cenário encontramos a busca inconsciente e o anseio de relações plenas de humanidade, comunhão e transcendência. As pessoas, especialmente os jovens, estão cansados de viver numa sociedade adulta que sempre se queixa, vive permanentemente ocupada em trabalhar mais e mais para ter mais e mais. Os jovens precisam da iluminação dos adultos que liderem não tanto pela eloqüência de suas palavras, mas pela probidade de suas vidas, ações e opções. Não podemos nos dar o luxo de sermos os cegos que guiam outros cegos. É por isso que a formação ética, entendida como o exercício de fazer deste mundo um lar para o homem, deve ser a grande preocupação das famílias e instituições dedicadas à educação e formação dos futuros profissionais. Somente um profundo desenvolvimento ético evitará que esse cheiro de pessimismo se torne no preâmbulo de um irremediável fracasso como humanidade. Não somos deuses, nem seres perfeitos nem menos imortais, e também não somos capazes de existir como simples elos de uma corrente evolutiva. Somos livres, mas não a ponto de renunciar a ser imagens de Deus e continuar existindo como pessoas. Qualquer ética não dá no mesmo.

A sensação de estar imersos num estado sem sentido, unida a essa ética privada, cuja medida é o proveito e bem-estar pessoal, traz como sua inevitável conseqüência desconcerto, angústia vital e medo, mas também desejos de experimentar tudo e não perseverar em nada. Como resposta à solidez da razão moderna, construímos uma cultura cuja única segurança é que nada é seguro e tudo muda. E a reação, quase inata, foi o ressurgimento de correntes fundamentalistas de todo tipo, que vêem na globalização uma ameaça a suas crenças e costumes. O fundamentalismo procura segurança num mundo instável, por isso se nega ao diálogo, ao acordo, à diversidade, e responde destruindo o diferente e estrangeiro.

Como assinalamos, há também novas escuridões que nos reclamam a lucidez, vontade e ação. A manipulação genética, o mau uso das novas tecnologias da comunicação e informação, escândalos e corrupção em governos e instituições que por décadas gozaram da confiança e respeito da população, incluindo nossa Igreja, são apenas algumas destas novas sombras. Só o amor à verdade e o respeito pela vida podem levar-nos ao diálogo e à recuperação da necessária confiança para construir projetos comuns, que derrubem as barreiras de grupos anárquicos e correntes dogmáticas. Mas entre todas estas novas sombras existe uma cuja ameaça vem sendo gestada há décadas, protegida por interesses econômicos de verdadeiras máfias modernas que trabalham, a fim de manter a cegueira da humanidade, inclusive hoje. Refiro-me ao desafio ecológico, que exige de nossa parte uma resposta urgente. Muitos se perguntam o que podem fazer, enquanto outros concluem que nada pode evitar os danos provocados pela intervenção humana. O certo é que não se pode compreender à margem da criação. Somos parte dela, e tudo o que afetá-la acabará afetando-nos. A mudança nos climas não se sente apenas no aumento das temperaturas ou na ocorrência de eventos naturais jamais previstos, mas também em maior pobreza, deslocamentos de populações, lutas territoriais, novas doenças e fomes. Há algo que é urgente: aumentar a consciência ecológica. Há algumas semanas pediram para apagar as luzes por apenas uma hora, a hora do planeta, como medida de pressão sobre as autoridades, mas também como um momento adequado para educar os jovens e crianças de hoje, diante de tamanho desafio, para que aprendamos a modificar nossos hábitos e evitemos, desta maneira, um desastre maior. Lamentavelmente nem todos estão dispostos a abrir os olhos; é mais: há aqueles que nem sequer consentem em fazê-lo. É verdade que em relação à eficácia de uma hora sem luz não faz muito efeito, mas quanto à consciência o impacto é enorme. Percorram as ruas de suas cidades e verão luzes inúteis e olhos fechados.

A ressurreição que os cristãos professamos e a vinda do Senhor que esperamos abrange toda a criação. O mandato divino de cultivar a terra implica torná-la um lugar de encontro entre Deus e os homens.

Poderíamos continuar destacando os espaços de escuridão, mas seria injusto desconhecer que também há luzes que auguram anseios de nova vida. Os acordos internacionais para superar a crise econômica; a existência de jovens liderando grandes projetos, grupos e inclusive nações; a preocupação de alguns centros de formação de profissionais que sejam capazes de dar respostas éticas a desafios humanos; o desprezo e castigo dos cidadãos à corrupção e falta de probidade; o chamado de alguns bispos a ser uma Igreja de misericórdia, mãe em vez de juiz; a rejeição aos fundamentalismos e o repúdio internacional aos atentados terroristas e seqüestros, além da eleição de um presidente negro nos Estados Unidos constituem, entre outros, sinais que nos falam de um novo amanhecer, de uma esperança ativa e de uma luz que vencerá as trevas.

Um Comentário

  1. bruno
    maio 04, 2009 @ 10:05:43

    onde estâo as fotos da renovação do batismo ?
    tchauuu
    bjs:oooo