O presépio: a história de um rei que nasceu numa choupana

Domingos Zamagna

A representação plástica que evoca a natividade de Jesus não vai além de uma rude manjedoura, quiçá uma tosca pousada de migrantes na beira da estrada, pouco importando o número de personagens envolvidos e se os fatos correspondem mais ou menos à realidade.

O presépio não é uma exibição cerebrina, não é um boletim de ocorrência, não é para convencer qualquer erudito, ou justo, ou puro: só convence a quem tiver o espírito da humildade, da hospitalidade, da sabedoria dos pequenos.

É um convite à imaginação cordial: não de um coração de pedra, mas um coração de carne, como ensinou Ezequiel (36,26); um coração contrito, como reza o Salmo (51,19).

Longe da estridência, usa a linguagem da simplicidade, da intimidade, da entrega, do acalento do amor. Será que me lembro da última vez que isso aconteceu comigo, de verdade?

É para ser contemplado segurando a mão de crianças, dos velhinhos, da mulher ou do homem amado, apoiando-se nos ombros dos amigos, em sintonia com a reverberação da vida.

Não é para ser visto às pressas, é para ser saboreado ao som do cântico do silêncio, sentindo a pulsação da prece. Terei vergonha se verter uma lágrima que limpe os olhos da minha fé?

Mais que tudo: deixemo-nos moldar pela mensagem que nos legou o Rei do universo, a plenitude que se fez fragmento, e sua família, ainda reclusos numa choupana, às vésperas da fuga para o exílio, por causa da perseguição de um outro tipo de rei. Os pastores, gente excluída e considerada impura, foram os primeiros a ouvir dos anjos do céu o precônio de um novo mundo, que mais tarde o Carpinteiro de Nazaré externou como o mais transformador dos programas de vida, as Bem-aventuranças (Mt 5; Lc 6).

Quando um profundo silêncio envolvia o universo,
e a noite estava no meio do seu curso,
a vossa Palavra onipotente, Senhor,
desceu do céu, do vosso trono real.”
(Da liturgia do Natal, cf Sb18,14-15
)

Não temais!
Eis que vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo:
Nasceu-vos hoje um Salvador,
que é o Cristo-Senhor, na cidade de Davi.
(Lc 2,10-11)

A devoção à infância de Jesus existe desde o berço da Igreja. O centro da devoção foi sempre o lugar do nascimento, Belém de Judá. Salvo em períodos de perseguição, peregrinos de todas as partes da cristandade afluíram a Belém e de lá levavam troféus que lhes evocassem o Menino Jesus, sua mãe Maria e seu pai José. Não bastando a veneração aos troféus, os cristãos começaram a construir capelas imitando a gruta de Belém. A basílica de Santa Maria Maior, em Roma, conserva uma singela construção do século V conhecida como Sancta Maria ad Presepe.

Numa magnífica simbologia, muito cedo se deu a aproximação entre o altar e a creche natalina. Com efeito, Belém significa, em hebraico, “casa do pão”; Jo 6,41.51 chama Jesus de “pão vivo”. Os Santos Padres não negligenciaram essa fonte de inspiração. S. Gregório de Nissa, por exemplo, compara os cristãos aos animais que, para se nutrir, dirigem-se à manjedoura. S. João Crisóstomo afirma que “este altar funciona como uma manjedoura”. Numerosos autores repetirão que na creche ou em Belém o pão vivo se oferece aos homens, como na Eucaristia sobre o altar. E os artistas, em suas Natividades frequentemente representam o Menino deitado sobre o altar.

O símbolo entre Eucaristia e o berço certamente inspirou S. Francisco de Assis quando ele celebrou a festa do Natal em Greccio (Úmbria, Itália), em 1223. Daí certamente derivam as representações que até hoje conservamos nas confecções dos presépios. No meio de um bosque o Poverello encontrou uma escavação em forma de gruta, em que ele colocou uma manjedoura com o jumento, o boi e o feno. Ainda nenhuma imagem da Virgem, do Menino e de José. Os participantes da cerimônia completaram com sua criatividade a composição dramática da cena do nascimento do Salvador. Em cima da manjedoura celebrou-se a Missa e aos poucos o altar provisório foi substituído por um definitivo. Nenhum documento registra se essa solenização foi renovada por S. Francisco ou por seus filhos e filhas espirituais. A Legenda de Santa Clara narra que a santa, doente, impedida de participar dos ofícios litúrgicos natalinos, teria tido uma visão das representações. Não foram, contudo, os franciscanos, mas sim os jesuítas, que divulgaram essa versão de Francisco de Assis como o iniciador da devoção ao presépio.

Da península itálica essa devoção se estendeu para toda a Europa e durante toda a idade média teve forte aceitação na península ibérica, de onde nos veio a tradição portuguesa das singelas e artísticas lapinhas.

Neste tempo de Advento, cada igreja, cada capela, cada casa cristã costuma montar o seu presépio, expressão da nossa religiosidade. Na cidade de São Paulo, por exemplo, temos encantadoras reproduções de presépios, desde os expostos no Museu de Arte Sacra (como o imenso, variado e até divertido “presépio napolitano”), até a impressionante e cada vez maior coleção de presépios do mundo inteiro expostos em dezembro pelos frades franciscanos (Convento São Francisco), no centro da capital.

Nas palavras de Tomás de Celano, biógrafo de São Francisco, aquela celebração era realmente nova, “um novo mistério… uma nova alegria. O Menino Jesus estava esquecido nos corações de muitos… Francisco o ressuscitou”.

Santo Natal de alegria e paz!