Sociedade em transformação

Manfredo Araújo de Oliveira*
Com a divulgação dos resultados do censo de 2010 em relação às religiões, houve uma atenção especial na imprensa à “protestantização” do Brasil. Publicou-se inclusive a previsão de que, se as mudanças persistirem, a partir da década de trinta, o Brasil deixará de ser um país de maioria católica. Acho que não tem muito sentido questionar a validade desses resultados, como alguns grupos têm feito, mas antes refletir sobre o sentido do que está ocorrendo em nossa sociedade e suas repercussões em nível das opções religiosas.
Um elemento que me parece fundamental para entender esse fenômeno é não reduzi-lo simplesmente a uma mudança de confissão religiosa, mas antes compreender que se trata de uma mudança que marca todas as confissões em sua maneira de ser e em sua presença no mundo. Que mundo é esse que parece tornar insignificantes formas de vivência religiosa que se consolidaram durante séculos?
Tudo indica que se pode falar no mundo de hoje de um impulso novo e de um florescimento não esperado do fenômeno religioso, marcado por características próprias e por uma enorme diversidade que pode fazer do religioso algo indeterminado e ambíguo. Acentua-se a compreensão da religião como espaço de articulação do sentido da vida e por esta razão mesma apta a exercer muitas funções na vida humana ainda que alguns analistas reconheçam uma perda de autoridade das instituições religiosas.
De qualquer maneira, trata-se no novo contexto societário de um feitio novo de viver e julgar as religiões institucionais e as experiências religiosas que agora valorizam o simbólico, a intuição, a experiência, a emoção, o afetivo. Trata-se daquilo que os sociológicos denominam a “pentecostalização” do cristianismo presente tanto no catolicismo quanto nas confissões evangélicas, portanto, de uma forma nova de vivência religiosa.
Nas sociedades de hoje essencialmente pluralistas, o indivíduo se sente livre para compor seu universo de crenças. Esse pluralismo provoca a ruptura com um universo religioso monolítico e abre espaço para uma religiosidade difusa. Certamente a partir desse clima espiritual, a sociedade brasileira caminha para uma atitude de abertura e tolerância religiosa em relação ao diferente o que constitui uma conquista humanizante. Por outro lado, abre-se o espaço para uma espécie de “subjetivação da fé” que leva, muitas vezes, a pessoa a construir seu mundo religioso a partir de elementos de diferente procedência de acordo com preferências puramente subjetivas sem pertença a qualquer instituição eclesial ou com passagem permanente de uma instituição a outra ou mesmo com adesão parcial a uma delas.
A pergunta urgente aqui é a seguinte: já que perdem fieis tanto o catolicismo como as confissões evangélicas históricas em função dos novos movimentos pentecostais, será que essas novas formas de vivência religiosa se revelam adequadas às exigências espirituais do novo contexto histórico do mundo que convencionamos chamar de pós-moderno? Constituem elas uma resposta consistente aos desafios humanos de uma humanidade marcada por grandes transformações que eliminaram muitas concepções de mundo que pareciam tão consistentes para situar o ser humano num universo cheio de sentido?

*Doutor em Filosofia e professor da UFC. Presidente da Adital
Adital