Visão geral do sistema prisional no Estado de São Paulo

Pe. Valdir João Silveira *

Estamos no tempo da quaresma, tempo de conversão, de olharmos a realidade a nossa volta com o olhar de Jesus Cristo e, com ele, assumirmos o compromisso de mudança daquilo que, aos olhos de Deus, é realidade de pecado, de injustiça e de desamor.

A igreja, a cada ano, desde 1964, vem nos apontando uma realidade que necessita de mudança, de transformação através da Campanha da Fraternidade. Neste ano, com o tema Fraternidade e Segurança Pública, somos desafiados a construirmos juntos uma sociedade baseada nos valores do evangelho e à Luz da Doutrina social da Igreja.

Um dos temas que incomoda a sociedade brasileira e que, ao mesmo tempo, é pouco conhecido em sua completude mas muito falado é o sistema penitenciário. Muitas vozes têm se levantado, a grande maioria para aumento do número dos presídios, pelo endurecimento das penas e estreitamento dos direitos dos presos.

Como a situação da pessoa encarcerada foi o grande motivador para criação do tema da Campanha da fraternidade deste ano, é bom conhecemos um pouco desta realidade aqui no Estado de São Paulo.

Vejamos:

A história do sistema penitenciário paulista começa em 1º/03/1892, quando o Decreto nº 28 criou a Secretaria da Justiça do Estado.

Até o início de 1979 os estabelecimentos destinados ao cumprimento de penas privativas de liberdade no Estado de São Paulo estavam subordinados ao Departamento dos Institutos Penais do Estado – DIPE, órgão pertencente à Secretaria da Justiça.

Com a edição do Decreto nº 13.412, de 13/03/1979, o DIPE foi transformado em Coordenadoria dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado – COESPE, à época com 15 unidades prisionais.

Até março de 1991 as unidades prisionais, através da COESPE, ficaram sob a competência da Secretaria da Justiça. Em seguida, a responsabilidade foi para a Secretaria de Segurança Pública e com ela ficou até dezembro de 1992.

Como a edição da Lei nº 8.209, de 04/01/93, com a organização delimitada pelo decreto nº 36.463, de 26/01/1993, foi criada a SECRETARIA DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA, a primeira no Brasil a tratar com exclusividade do referido segmento.

Hoje o Estado de São Paulo conta com 147 unidades prisionais sendo que, destas 3 são de segurança máxima (Presidente Bernardes, Taubaté e Avaré); 74 Penitenciárias; 33 Centros de Detenção Provisória e mais um anexo; 22 Centros de Ressocialização; 07 Centros de Progressão Penitenciária; 02 institutos Penais Agrícolas e 05 Hospitais.

A população carcerária, distribuídas nestas unidades, no mês de fevereiro, era de 145.605 pessoas. Lembrado que os presos detidos nas 38 cadeias públicas não estão incluídos neste número, que em dezembro de 2008 chegava a 10.174. Totalizando-se os presos de cadeias públicas e de unidades prisionais sob tutela da SAP temos 155.779 pessoas presas no Estado de São Paulo.

Segundo o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen – do Departamento Penitenciário Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, o sistema prisional do Estado de São Paulo, no ano de 2008, teve um gasto financeiro de R$165.322.795,78 (cento e sessenta e cinco milhões, trezentos e vinte e dois mil, setecentos e noventa e cinco reais e setenta e oito centavos). Este valor conta com verbas dos governos federal e do estadual. Só o Estado de São Paulo desembolsou o total de R$ 157.358.400,00 (cento e cinqüenta e sete milhões, trezentos e cinqüenta e oito mil e quatrocentos reais).

Neste universo do sistema carcerário encontramos reiteradas violações aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal e, na grande parte das vezes, são os motivos das rebeliões e motins.

Podemos elencar a superpopulação, celas com mais de 50 pessoas onde deveria ter no máximo 12 pessoas; a ausência de equipe jurídica nas unidades prisionais e vagareza e severidade do judiciário. Nossa população carcerária é pobre, dependente da assistência jurídica gratuita e no Estado de São Paulo temos apenas 400 defensores públicos, sendo que destes apenas 37 defensores cuidam da execução penal dos 155 mil presos.

Além disso, salvos casos raros, os juízes e promotores corregedores não realizam as visitas correicionais, conforme determina a Lei de Execução Penal (Ao juiz da execução penal, o artigo 66, inciso VII, da LEP prevê a atribuição de “inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade. A mesma periodicidade nas visitas dos juizes (mensal) está prevista para os membros do Ministério Público (artigo 68, parágrafo único da LEP), sendo necessário o registro, em livro próprio dessa visita). Com essa ausência de juizes e promotores dos cárceres não se apuram efetivamente as irregularidades existentes nas unidades prisionais.

Outra causa da superlotação é o fato de haver nos cárceres milhares de pessoas aguardando o julgamento de seus processos por tempo maior do que a própria lei comina ao crime que esta respondendo. E, não raras vezes, a pessoa é absolvida, tendo ficado anos presa, custando muito aos cofres do Estado. Existem também milhares de presos com direito ao regime semi-aberto, ao livramento condicional, ao indulto que permanecem presas, esperando meses e anos sua transferência ou liberdade; além da péssima qualidade de assistência à saúde e a falta de trabalho e de estudo.

O ano de 2009 chegou com uma surpresa para grande parte da população paulistana. O governo do Estado promete construir 49 presídios até o fim de 2010. Serão construídos 22 presídios masculinos de regime fechado (ao custo de R$ 29 milhões cada unidade, para um total de 16.896 vagas), 8 penitenciárias femininas (R$ 45 milhões cada uma, total de 5.376 vagas), 12 Centros de Detenção Provisória (R$ 29 milhões cada um, 7.680 vagas) e 7 presídios para regime semi-aberto (R$ 35 milhões cada um, total de 6.480 vagas). Ao todo serão 36.432 novas vagas. O governo investirá nesse programa R$ 1,2 bilhão até 2.010 e, só em 2.009, R$ 514 milhões.

É bom esclarecer que destas unidades 5 já se encontram em funcionamento. Isso causou reação das populações locais e muitos prefeitos foram pegos de surpresas pois não sabiam que sua cidade iria sediar um presídio. A proposta da construção dos presídios é vista pela Pastoral Carcerária como necessária perante a inoperância do judiciário dos governos na prevenção da violência, na manutenção da negação ao acesso aos diretos e na criação de políticas publicas voltadas para as áreas sociais após longo período de exclusão social.

Necessária porque, pela primeira vez, o Estado constrói presídios destinados às mulheres encarceradas (8 unidades), respeitando o que determina a Lei no referente a questão de gênero do período de gravidez e de lactação. Necessária também para regionalização dos condenados, permanecendo eles próximos aos seus familiares, onde a recuperação possa ser viável, junto com o acompanhamento da comunidade. Não seria necessários estes gastos caso tivéssemos um judiciário rápido e atuante como é para os casos das pessoas de boas condições financeira, que contam com bons e bem pagos advogados. Nestes casos a justiça é rápida e cumpre rigorosamente o que a lei determina.

Medidas como essa são essenciais para evitar o colapso do sistema a curto prazo, mas é preciso ter sempre presente que a solução do problema carcerário – tanto em São Paulo como no resto do País – exige outras providências. A principal delas é o aumento da capacidade de aplicar penas alternativas – serviços prestados à comunidade em vez de encarceramento, nos casos de delitos menos graves -, que depende tanto da Justiça como do governo.

Em São Paulo, o número de condenados a penas alternativas vem aumentando bastante, tendo passado de 4.876 em 2005 para 19.978 em 2007. Mas, tendo em vista que a população carcerária do Estado é de cerca de 155.779 mil, grande parte da qual se enquadra nos critérios das penas alternativas, resta muito ainda a fazer. Além de aliviar a superlotação dos presídios, esse tipo de pena tem outra vantagem: a taxa de reincidência dos que a cumprem é de 4,7%. Para os que saem do regime, ela é de cerca de 60%. Investir em pena alternativa é, portanto, tão importante quanto em novos presídios.

Outra ação que poderia estar ajudando a redução da população carcerária é a Força Tarefa nas Execuções Criminais. A exemplo do que aconteceu na Vara de Execuções Criminais da Comarca de Taubaté entre os dias 17 de setembro e 22 de outubro de 2008, em 25 dias úteis foram concedidos 733 decisões judiciais determinando a progressão ao regime semi-aberto; 248 ao regime aberto; 248 ao livramento condicional; 25 indultos plenos; 49 decisoes extinguindo a pena pelo cumprimento e 1 desinternação.

Foram disponibilizadas 1.172 vagas, uma média de 46,8 vagas por dia de mutirão. O mesmo aconteceu em outras Varas de Execuções Criminais, como em Ribeirão Preto que, em 4 dias de força tarefa, foram liberadas 122 vagas, numa média de 30,5 por dia; em Jundiai em 31 dias úteis de trabalho, foram liberadas 1.166 vagas, média de 37,6 por dia.

Enfim, em 82 dias úteis, de 17 de setembro até 20 de fevereiro de 2009, foram disponibilizadas 2.775 vagas no sistema prisional, numa média de 33,78 vagas por dia, num total de 5.702 decisões e despachos diversos.

Esta ação, a Força Tarefa nas Execuções Criminais, que não é um ato de caridade, mais sim um ato de justiça tardia, traz aos apenados a esperança de ter a cidadania recuperada ou adquirida.

Aos poderes constituídos em nosso país, é bom sempre lembrar que “A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar” e, para a sociedade civil, como a CF 2009 propõe: se queres um mundo de justiça e paz, temos que nos organizar e lutar para fazê-lo acontecer.

* Vice-coordenador da Pastoral Carcerária Nacional e coordenador da Pastoral Carcerária de São Paulo